Setembrino e Filé
Setembrino é um angolano de quarenta e cinco anos que conheci em doismiledezassete, tinha acabado de chegar a esta cidade pela primeira vez na sua vida com o objectivo de tirar doutoramento em Engenharia Industrial na nossa universidade, vinha acompanhado com a sua esposa Filé que apenas ficaria por dois ou três dias. Os seus pequenos filhos tinham ficado em Luanda.
O nosso primeiro encontro foi num restaurante, Filé mostrou-se reservada e na defesa, poucas falas resumidas às respostas das perguntas, Setembrino ligeiramente mais liberto, tinham acabado de chegar, procuravam para ele um lugar para residir e através de um contacto de uma pessoa minha conhecida me pediram para o ajudar.
Setembrino arranjou poiso numa residencial católica mas tinha o objectivo de ter uma casa e até uma empregada que lhe tratasse das comidas, das roupas, limpeza, visto que ele tinha de se dedicar inteiramente ao doutoramento, no entanto, Filé sempre de olho nele apesar da distância, até parece que ela tem uma mola num olho e estava sempre activá-la de modo que a mola o fizesse chegar de Luanda aqui em tempo real, Setembrino acabou por não avançar com a idéia, pois segundo ela, não ficava bem um homem viver sozinho pelo que teria de se manter na residencial.
Passado algum tempo, não muito, Setembrino ausentou-se por um largo período, tanto Filé como o bom senso lhe tinham informado que o melhor seria optar pelo bem estar da Familia, ainda assim, sempre que vem cá contacta-me sempre, uma destas vezes convidámo-lo a um convívio em nossa casa, era sábado, era verão e junto com outros amigos e o nosso vizinho que já tinha vivido vários anos em Angola, fizémos um encontro engraçado no nosso Barbecue, entre grelhados, conversas, boa disposição, foi deveras agradável o tempo que passámos, quando o fomos deixar na residencial ia tão mas tão divertido e feliz que nos disse nunca ter passado assim um momento tão bom e tão bem que lhe fez à alma.
Setembrino é uma pessoa bastante culta, adora estudar, é inteligente e sonhador, interessado pela aventura, descoberta, pelo saber, é um bom conversador, não se apanha seca com ele, é um homem calmo mas perspicaz e empreendedor, está sempre com pensamento no negócio, um impulsionador de ideias e tem o dom de elogiar os outros, bom carácter, entusiasta.
Irmão de 12, eram 13 mas actualmente é sozinho, o último irmão partiu no ano passado e assim tem a Familia que constituiu, viveu uma grande parte da sua vida em Cuba, desta forma tem uma ideologia mais aberta que uma grande parte do seu povo, não por ter sido em Cuba mas pelo facto de ter saído de África, nunca foi dado à pratica da religião, confessou que ia a uma única missa em todo o ano que era a de Natal, ia por ir, no entanto após regressar a Luanda e conhecer a sua amada Filé, por imposição da sua grandiosa fé se tornou um católico praticante, agora não falta a uma missa diz que já não pode passar sem ir, esteja onde estiver! A fé move-o.
Em sua casa reza-se antes das refeições e falámos disso à volta da mesa de jantar em minha casa da última vez, disse que o seu filho com seis anos balda-se a essa regra, o que quer é comer, ora que bem que ele faz, mas não, não se rezou à volta da minha mesa, não desprezamos a opção, respeitamos, há que acatar e respeitar, só isso!
Para este jantar fiz um arroz de pato acompanhado com alface e canónigos, estava delicioso, Setembrino estava deslumbrado com o sabor, até perguntou como fiz mas sem interesse que eu lhe desse a receita pois ele nem um ovo sabe estrelar segundo disse, confeccionar comida está completamente fora do seu âmbito.
Terminámos o jantar com filhoses salpicadas de açúcar e canela, foi de propósito, sabia que ele não fazia idéia do que eram filhoses, gostou muito e sabendo que foram feitas pela minha mãe e pelo Francisco melhor lhe soube, fiz ainda uma bolo de chocolate tipo tarte, estava maravilhoso, comeu-se todo: seis ovos batidos com seis colheres de açúcar, junta-se chocolate derretido com 150 grs de manteiga e vai ao forno, guarda-se um pouco deste batido para cobertura do bolo depois de sair do forno.
O doutoramento vai prosseguindo mas à distância, com o seu mentor via on-line, não tem outra hipótese de prosseguir com este projecto, isto se quer manter a sua família, Filé é que manda em casa, tal como ele diz que eu também mando na minha, baseou-se no quadro de lata que tenho pendurado na cozinha:
Regras da casa:
Regra número um: A mãe é que manda
Regra número dois: Ver a regra número um
Comprei esta lata em Óbidos e também comprei outra que dizia: Os amigos são a Familia que escolhemos mas este ofereci a uns grandes amigos que têm pendurado na faixada principal da sua casa de pedra.
Filé é uma boa pessoa porém extremamente conservadora e possessiva, não tem mal nenhum nisso, cada um adapta-se e aceita o que entende ser ou estar, há que respeitar mas Setembrino sente-se sufocado, ele, um homem de mente aberta, uma grande parte da sua vida fora de África, tornou-se visionário e sonhador, porém Filé corta-lhe as asas mas ele sabe que ela é assim e acaba por respeitá-la, opção dele.
Setembrino e Filé não são os seus verdadeiros nomes, a história é.