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A Sorte da Raposa

Partilha de emoções, experiências, reflexões ❤

A Sorte da Raposa

Partilha de emoções, experiências, reflexões ❤

Viagens no 404

24.02.20, Dulce Ruano

404.png

Em tempos meu pai teve um Peugeot 404, branquinho, lindooo, era cá uma banheira, não sei se era da cor se era do formato do carro fazia-me lembrar uma noiva, eu era bem pequena e sonhava com princesas, uma noiva é sempre uma princesa (deixemo-nos de coisas ainda hoje penso assim).

O 404 não tinha cintos de segurança mas naquela época não se falava nem se pensava nisso, autoestradas não havia, só nacionais com o limite máximo de 90 Kms/h. Sempre viajávamos muito durante o ano, eu adorava sair de casa, apesar dos malditos enjôos que sentia, fosse qual fosse o motivo da saída era sempre motivo de alegria andar de carro.

Peugeot frente.jpg

Meu pai a conduzir era um mestre, para mim o melhor do mundo, tinha uma destreza formidável, não havia recta que escapasse ao acelerador dizia que era para aproveitar a capacidade do carro, pudera, tinha 1600 CC a gasolina, a verdade é que meu pai nunca teve um acidente, nem me lembra que tenha apanhado sustos ou pelo menos sustos grandes.

Peogeot trás.jpg

Naquela fase da minha vida em que era uma meia leca e ainda era filha única, quase nunca dividia o assento do carro com ninguém, a não ser quando saíamos com a minha avó para visitar o avô que esteve hospitalizado em Coimbra e Lisboa. O assento de trás era enorme, parecia um sofá, era todo corrido e estofado a pele preta e veludo bordeaux, era todo para mim, esticava-me, saltava, esperneava, reconheço que fui bastante feliz nas brincadeiras e na irrequietude que me assistia.

Adorava quando faziámos viagens longas e o meu pai "aproveitava a capacidade do carro" acelerando mais um pouco nas rectas, era uma aventura e quando apanhava saliências ou desníveis da estrada era a loucura total naquele assento, dava imensos saltos, batia com a cabeça no tejadinho, tanto mas tanto que eu me divertia, sinto saudades daquelas emoções, no meu assento, no meu lugar tão bem que me sentia, provocavam-me tantos sorrisos, tantas gargalhadas, eu ali no meu pequeno castelo, eu a princesa feliz 

Hoje penso como as coisas mudaram, as crianças nas suas cadeirinhas amarradas com os cintos,  sinais da evolução, fui uma previligeada das leis e das obrigações 

Bendito Peugeot 404 

O regresso ao bloco

18.02.20, Dulce Ruano

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De regresso ao hospital. Placa pode romper o tendão e antes da desgraça maior há que passar por nova cirurgia, em parte parece igual à anterior porém tenho de admitir que é diferente, agora não tenho fratura, esta foi premeditada para correção. Não me apetecia nada passar por isto mas reconheço que tem de ser feito, as dores, o incómodo da placa a dar sinais sobre a minha carne, sobre o tendão, não está bem e temos de o pôr bem.

Período da manhã fiz exames, no fim da consulta de anastesia queriam que ficasse logo ali, internada, como não me agradou a idéia negociei a minha saída e o regresso para o mais tarde possível minimizando o tempo de estadia (que eu não queria mesmo!)

Deram-me a cama 24 junto à janela, nas outras estavam duas senhoras de idade, davam ares de veteranas por ali. Assim que entrei tiraram-me as medidas e a da cama 22 disse "Ohhh olha já cá temos uma menina connosco", mandei-lhe um sorriso. Comecei por tirar a minha agenda, um livro e organizei uns pormenores entre a mesa de apoio e o armário.

Entretanto a senhora da cama 21 recebe uma chamada, mais tarde percebi que ela era uma central telefónica, o telefone dela parecia uma motoserra num tom ensurdecedor além de que ela falava bastante alto, alguém familiar lhe teria ligado a quem dizia que uma tal pessoa não a ia visitar porque não tinha cabeça para se meter nisso, "que s'a cozesse" disse ela. Dizia a todos a quantos lhe telefonavam que estava bem, ninguém se preocupasse porém passava o dia e noite nesta lenga lenga: "ai a minha perna, ai a minha perna, ai a minha perna, ai a minha perna...

Pelo que percebi telefonava todos os dias para o marido às 7:30H da manhã, é que a senhora 22 resmungou: "Humm lá está ela outra vez a acordar o homem, coitado, não o deixa dormir", e a 21 dizia ao telefone alto e bom som: " ATÃO HOMEM, O QUE É QUE ESTÁS A FAZER?!" 

A senhora da cama 22 queria era conversa, reclamava da cama que fazia uns barulhos estranhos que até pareciam outra coisa, passava o tempo a olhar para mim, estávamos frente a frente, queria ser prestável mas não sabia como me cativar, até me explicou que o móvel de apoio abria para os dois lados, agradeci mas confesso que não estava com apetite de conversar com ninguém, não admitia mas sabia que estava um pouco nervosa, só queria que o tempo passasse depressa e começar a recuperar da cirurgia que ainda não tinha feito.

Estava com fome e muita sede mas não me deixavam saciar nem ao menos molhar a garganta que estava tão seca, tinha ainda de tomar um duche com um desinfectante, arghhh não me apetecia nadinha  

Acabei por ir para o bloco operatório duas horas antes do esperado, por um lado era alivio, por outro fui informando toda a gente que ia fugir a todo o instante, Ahhh e todos souberam que eu corro, não fosse estar lá de serviço um colega das corridas que fez alusão às minhas capacidades, por momentos pensei que todos acreditaram que ia mesmo fugir dali, não me largaram 

 

 

 

 

 

Pagarbiai

11.02.20, Dulce Ruano

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Verdade que às vezes acontecem-me coisas do arco da velha, lembrei-me duma situação que me aconteceu há uns anos na empresa onde trabalho, na altura tive uma transição do departamento de Compras para as Vendas (mundos bastante distintos) e numas férias de verão que era preciso substituir um colega por três semanas foi-me entregue o desafio de ficar com os seus clientes entre estes encontrava-se um da Lituânia que tinha vários comerciais e faziam contactos bastante frequentes, a lingua de comunicação sempre foi o inglês. 

Segundo o que fui percebendo e que meu colega me informou, os vários comerciais desta empresa eram só mulheres, disse-me os nomes de todas e com cada um, ufff! vi-me à nora para os fixar!

Meu colega vai de férias, chega o inicio da semana, entram não sei quantos mails caixa adentro, sim, porque os seus clientes tinham 1 a 2 horas de diferença com Portugal, quando chegava de manhã tinha sempre montes de trabalho à espera, em particular do cliente da Lituânia.

Dei conta que tinha entrado um comercial novo para lá e mandava-me muitos mails, era homem e chamava-se "Pagarbiai", deixava o seu nome sempre no fim dos mails, naturalmente que sempre lhe respondia começava assim... "Dear Mr. Pagarbiai"... nunca se apresentou e eu pensava já na novidade que ia dar ao meu colega quando voltasse ao trabalho, que tinha um novo comercial no seu cliente lituâno e que ainda por cima era um homem!

Assim se passaram 3 semanas, todos os dias e várias vezes ao dia comunicava por escrito com Mr. Pagarbiai. Meu colega regressa e eu fui de férias também 3 semanas, ao regressar meti-me com ele sobre Mr. Pagarbiai, se já tinha falado com ele mas diz-me que desconhecia este senhor o que achei tãooo estranho, como não me deixei ficar porque às vezes também sou teimosa, fui investigar....

Descobri que não havia nenhum homem nem comercial com o nome de Pagarbiai e nesse dia fiquei a saber dizer uma palavra em lituâno que nunca mais esquecerei para o resto da minha vida!

Se um dia precisarem de mandar "cumprimentos" a alguém na lingua lituâna então escrevam ou digam "Pagarbiai"!

Senti-me estúpida, confesso que senti  mas depois o que a gente se riu disto  bem como os meus amigos mais chegados todos ficaram a saber dizer "cumprimentos" numa lingua bastante diferente do habitual, sei que sabem, porque alguns engraçadinhos ainda hoje gozam comigo 

 

Pagarbiai,

Dulce Ruano

A sorte da raposa 

Lentes para contacto

08.02.20, Dulce Ruano

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Uso lentes de contacto há quinze anos, estranho eu saber desta data tão precisa mas lembro-me bem da afronta que foi para mim meter as lentes numa casa de banho de um parque campismo no Porto poucas horas antes dos Rolling Stones subirem ao palco e lembro-me sim que foi há quinze anos porque no ano anterior vi os Rolling stones em Coimbra grávida de 8 meses do Duarte (meu obstreta sabia e levava as suas recomendações) e como me soube a pouco no ano seguinte já fui de barriga lisa e é claro que dos anos de um filho uma mãe nunca esquece.

Sempre fui contra as lentes de contacto porém um dia pensei melhor no assunto achando que estava a ser picuinhas e lá me rendi às ditas o que não me arrependo nada, sempre correu bem tirando uma vez ou outra que já dormi com elas, ui, só de pensar dá arrepios, tirando uma vez ou outra que saio de casa sem as levar, ui, uma vez meto-me à estrada, 8h. da manhã com os meninos para a escola e logo me apercebo que não levava lentes, já era tarde para voltar atrás então segui caminho mas alertei-os que não as levava e que se agarrassem bem ao carro (tão má que fui), iria ser uma viagem alucinante, no caminho estreito que nos conduz da casa até à estrada principal fui ziguezagueando, txiiii a afronta deles, coitadinhos, "Ó mãe deixa tar que eu vou a pé", "Ó mãe pensando bem eu acho que hoje não tenho escola e fico aqui", "Ó mãe não é melhor parares e chamares o pai", o Duarte põe a mão dele mesmo em frente dos meus olhos e pergunta, "Ó mãe tu vês a minha mão?", bem, foi super divertido e mesmo quando lhes disse que ficassem tranquilos porque apesar de não ter lentes conseguia ver tudo, aliviaram mas acho que ainda assim ficaram desconfiados.

Há uns anos para cá descobri que as lentes de contacto também se podiam comprar pela net, achei tão estranho pois apesar de já ter pensado nisso parecia-me impossível esta facilidade, de facto a net é fantástica! O interessante disto é que é a mesma marca que sempre usei, compro sempre pelo site Lentes 365, resposta rápida e metade do preço, bem como o liquido de protecção.

Quando as caixas chegavam via pela caixas anteriores qual correspondia a cada olho, num tenho -1.25 e noutro -2.25 como quem diz, um bocadito de estigmatismo, então do olho direito fazia um D na caixa e do olho esquerdo fazia um E, nada que enganar. Básico.

O pior foi desta vez que me deixei chegar às últimas, arrisquei comprar quando já as tinha colocado e deitei as caixas fora, como nunca fixei as dioptrias correspondentes a cada olho lá se foi a informação preciosa, chega a encomenda e legendei cada caixa (vi pela encomenda que fiz) mas troquei-me, opá, isto é tão mau 

Passado um mês, chegando a altura de as renovar (as minhas são mensais), faço a estreia às caixas novas, porém sentia que algo não estaria bem pensei que bastava uma regulação nas pálpebras e via normal mas o grande teste foi quando cheguei ao trabalho, via as coisas ligeiramente destorcidas e em duplo, passei o dia a regular pálpebras mas algo não estava certo, lembrei-me que poderia ter trocado as lentes: "ná, não pode ser, eu identifiquei as caixas", ainda assim, como cheguei bastante tarde a casa, acabei por não me lembrar de confirmar.

Dia seguinte e um pouco à pressa (c'a nervos) coloquei-as na mesma, arrisquei para ter a certeza que tinha sido adaptação ao primeiro dia, porque trocadas.... ai esquece lá isso, não podiam, mas o certo é que continuava a ver tudo búzio, trocava o 6 pelo 8, para interpretar letras pequenas punha os olhos mesmo em cima da folha, é que não via lúcido, até na estrada via o traço contínuo duplicado, no trabalho emiti um documento com numeração que passado um pouco um colega me alertou, "olha que emitiste um número que é meu", e eu, "mau, não pode ser então tá aqui tudo direitinho", e ele, "não, ora vê lá bem que esse nr. pertence-me a mim", ai, ai, lá me renunciei, pus os olhos em cima da folha e de facto, fiz com o nr. 161958 mas o correcto seria 161956, comecei então a perceber que também já estava a prejudicar os colegas, decidi então que tinha de resolver o assunto.

Apesar de ter acabado de lambuzar as mãos com montes de creme hidratante fui à casa de banho esfreguei bem as mãos para remover a gordura do creme e poder trocar as lentes, como fazer sem estar em casa, sem ter o estojo protector nem o liquido próprio, bem, há que improvisar.

Amassei dois toalhetes, fiz tipo de uma almofadinha e coloquei lá uma das lentes com todo o cuidado, percebi que tinha de acender a luz, tirei a segunda lente e coloquei-a logo no olho certo porém estava seca e tive dificuldade em metê-la mas enquanto isso entra uma colega que todas  as vezes que vou à casa de banho vai também, até parece que tenho cara de bexiga, inspira-se sempre em mim para ir logo de imediato, nisto acontece um desastre:

Primeiro desliga a luz achando que estava a ligar, entra e percebe que estou numa situação difícil, fecha a porta com força (eu sei que foi sem querer)  o que provocou deslocação de ar o que fez com que a almofadinha da lente fosse levada pela aragem como se de uma pena se tratasse devido à sua leveza, opá, fiquei irritada, entra para a zona da sanita e digo, "ai o caraças que já me lixaste, fechaste a porta com força, provocou vento e levou-me a lente", e ela, "ahhh mas precisas de ajuda", e eu, "sim, preciso, preciso que te despaches e me deixes sozinha"!

Percebi que a almofadinha tinha aterrado no lavatório e a lente lá se encontrava envolvida, agarrei nela, parecia estar boa, lá a meti e saio de rompante daquele lugar evitando diálogo!

Cheguei ao meu lugar de trabalho e tudo estava claro, tudo estava no sitio, até o 6 já era um 6 e o 8 era um 8!

 

Love Story Boots - Saga III

01.02.20, Dulce Ruano

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Love story Boots - Saga III

... Em continuação à Saga II desta história ...

Dia seguinte e para dar término ao problema que trazia com a devolução das botas, reconheço que tive de me preparar mentalmente, passou a ser um sofrimento, como é que uma coisa tão simples se tornou em algo tão complexo e desconfortante, na verdade tinha um pé que queria ir e tinha o outro que não lhe apetecia, assustadinha de todo só de pensar no que podia mais acontecer 

Enchi-me de coragem. Entro no shopping pelo estacionamento ao ar livre. Olho para as escadas rolantes. Decidi subi-las em vez de ir pelo outro lado que dava directo à entrada da loja, não sei explicar, mas é como que uma força divina me disse "vai por aqui para contrariar o trajecto habitual", ao subir as escadas era como um símbolo de sorte, um amuleto, sentia que as pessoas que iam na direcção contrária me olhavam como se eu fosse numa missão muito especial e ia, ia sim, eu é que cá sei, olha, olha 

Ao cimo das escadas está a Springfield e mesmo mesmo no último centímetro de porta decidi entrar, eram dois motivos que me faziam entrar, um era retardar a chegada ao meu destino, uma espécie de conforto que eu sentia antes de tentar resolver o assunto da devolução, outro motivo era porque havia umas duas semanas que andava com as pupilas em cima dum vestido, é tão giroooo 

A menina da caixa pergunta-me se eu tinha uma msg de telemóvel sobre um desconto, distraída como eu sou nestas coisas, lá procurei a msg e de facto tive um desconto espectacular no vestido, epá, que boa idéia ter ali entrado, o vestido das minhas pupilas já era meu e por um preço bem mais baixo do que tinha previsto. Brutal 

A funcionária pede-me o valor a pagar, trazia pouco dinheiro e saquei do cartão multibanco, de tão satisfeita com aquela compra fiquei ligeiramente nervosa por estar a correr tão bem, pego no cartão para lhe entregar e digo "olhe, como tenho aqui pouco dinheiro, pago com o cartão",tudo estaria bem se não fosse o que ela me disse em seguida "ahhh é multibanco, ainda bem porque se fosse cartão de crédito e caso quisesse devolver o vestido já não seria possível porque nós não devolvemos valores pelos cartões de crédito" pensei logo na devolução das botas na Pull, caiu-me tudo ao chão!! Córei, fiquei da cor dum tomate e com os calores súbitos! Ouvindo isto pensei que como estas lojas pertencem todas ao mesmo grupo, têm todas a mesma filosofia e vão-me dizer "ahh pedimos desculpa mas como é cartão de crédito não podemos efectuar a devolução!!" Fiquei apavorada 

Agradeci, a operadora foi super simpática e de grande profissionalismo, só não gostei de um reparo dela, como não experimentei o vestido ela olhou para mim de alto a baixo e disse que era melhor levar o tamanho seguinte, hunffff ela queria dizer o quê? que estava gorda? possas, o vestido assentava-me que nem uma luva  

Saio da loja e tenho um corredor para enfrentar até à Pull, activei o meu mecanismo de defesa, relaxei os músculos e soltei umas risadas para tudo quanto os meus olhos se viravam, ria-me como se fosse alguém ao meu lado a contar umas piadas. Numa das lojas por onde passei estavam duas raparigas e um rapaz, ficaram a olhar para mim com um ar estranho mas eu ia cá com um sorriso tãoooo grande, é que estava quase quase e neste quase entrei.

Ponho as botas em cima do balcão, tiro o talão da carteira e o cartão de crédito, eheheh tinha as duas coisas juntas por precaução. Ela começa a comparar a etiqueta com o talão e em seguida compara o número do cartão de crédito, eu não tremia, fiquei imóvel e com os ouvidos atentos à espera de ouvir "olhe pedimos imensa desculpa mas como se trata de um cartão de crédito não podemos efectuar a devolução!

Mas não, não ouvi.

Quando a vejo a pegar no walkie talkie para chamar a responsável para vir abrir a caixa a fim de fazer a troca, uff, já estava! Missão bem sucedida e cumprida! Finalmente a saga da devolução tinha chegado ao fim.

Love Story boots termina aqui e assim o chamei porque isto quase que se tornou num romance sem fim. Despachei-me das botas, ia perdendo a paciência e fiquei com um vestido maravilhoso e barato