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A Sorte da Raposa

Partilha de emoções, experiências, reflexões ❤

A Sorte da Raposa

Partilha de emoções, experiências, reflexões ❤

O fantasma que não fez Buuuu!

28.10.20, Dulce Ruano

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Há fantasmas e aventesmas, estas últimas vamos tropeçando nelas dia a dia e a qualquer hora haja sol ou seja de noite, porém os fantasmas já são mais peculiares no aparecimento, surgem nos horários nocturnos, uma ou duas vezes ou mais nas nossas vidas e atormentam-nos para sempre, já as aventesmas (também se pode dizer Abantesmas), apesar de estarem sempre presentes parece que não assustam ou pelo menos não permitimos que nos façam sentir o medo.

O medo, claro está, aquele sentimento negativo que nos abstrai da liberdade, que nos prende os movimentos, que nos congela e que muitas vezes nos deixa sem uma gota de sangue.

 

Uma vez senti muito medo e não há vez nenhuma que não conte esta história ou que penso nela que não me faça estremecer, as pulsações cardíacas aumentam, fico estática e com os músculos contraídos, assim me sinto neste momento, mas logo passa que não sou de ficar a moer muito no assunto e tenho mais que fazer.

 

Eu mais um amigo, na altura meu vizinho, tínhamos cada um o seu grupo de amigos, alguns se tornaram comuns porém éramos os únicos que vivíamos na mesma zona, a uns 4 ou 5  Kms da cidade o que fazia que viéssemos para casa a pé particularmente naquelas horas noturnas já tardias.

 

Vínhamos sempre por uns atalhos evitando, claro, a maior distância pela estrada, atravessávamos umas quintas através dum caminho de terra batida, não tínhamos medo de nada até porque vínhamos sempre divertidos a conversar bem alto e a dar umas galhofadas daquilo que contávamos, descontraídos, felizes mas uma noite já quase a chegar a casa deste meu amigo que era primeira que a minha, aconteceu uma coisa que ainda hoje se nos arrepia a espinha duma ponta à outra, a mim e a ele.

 

Tínhamos acabado de atravessar a linha do comboio e o caminho ia em linha reta, ao fundo fazia uma ligeira curva à direita e a partir dessa curva havia várias casas que faziam de muro ao caminho, a primeira casa estava abandonada havia já muitos anos, tinha até um ar sinistro. Enquanto caminhávamos na direcção dessa curva, vemos uma figura de aspeto masculino numa imagem completamente negra de alto a baixo, cabeça redonda, corpo grande e másculo, não se lhe via os olhos nem nariz, nem boca, orelhas não me lembro.

 

Aquela figura vinha na nossa direcção com um passo apressado, forte e marcante no chão, não se desviou metade dum milímetro e assim que passou por nós sentimos os dois um gelo no corpo como se tivéssemos entrado dentro dum iceberg, o nosso sangue evaporou em milésimas de segundos, depois aquela sensação passou mal fizemos a curva, naturalmente que não olhámos para trás, acelerámos o passo, caladinhos que nem umas múmias, agarrei o braço do meu amigo com uma força que as nódoas negras ficaram bem explicitas.

 

Ele ficou em casa dele e de seguida fui a correr 500 metros que nem uma desalmada até à porta da minha, não dissemos rigorosamente nada, tão pouco nos despedimos.

No dia seguinte telefonámo-nos e perguntámos que tinha sido aquilo, percebemos que tínhamos sentido exactamente a mesma coisa, tínhamos visto o mesmo, tudo batia certo.

 

Ao longo destes anos contei a história algumas vezes e mais que uma vez me disseram que aquele lugar sempre foi famoso por certas coisas, certos avistamentos, nunca percebi muito bem e prefiro nem saber.

 

À medida que escrevo isto e com o rádio ligado numa antena qualquer de vez em quando passam uns anúncios e há um que já passou umas 52 vezes mas que ainda não compreendi a que se refere, o que consigo discernir é a música de fundo a imitar um som de fantasma, Buuuuuuuuuuuuuuuhuhuhuhuhu, será coincidência ou perseguição, quero acreditar que sim.

 

Na noite anterior e numa brincadeira de troca de mensagens com esse meu amigo, lembrei-me desta história e quando me fui deitar além de não conseguir dormir tremia da cabeça aos pés, sim, cheia de medo pelos pensamentos no assunto. Voltar a passar naquele caminho, fora de questão, totalmente fora de possibilidades, sabe-se lá se aquela coisa ainda por lá anda e diga-se que não me faz falta nenhuma, também não revelo o lugar, sei lá eu se os mais afoitos vão por lá fazer peregrinação e incomodar o fantasma, sim, porque aventesmas são aparições que se vêm todos os dias, coisa banal, fantasmas são uma raridade, há que respeitar.

Livra!

 

O meu, um deles, o mais novo

22.10.20, Dulce Ruano

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Tenho dois rapazolas maravilhosos, lindos até mais não, cada um com as suas características totalmente díspares, até no nascimento foram bastante diferentes, um de cesariana, outro de parto natural.

O mais novo completa hoje 17 anos, 22 de Outubro, por ter sido o segundo, naturalmente que era para mim como segunda experiência de cuidar de um recém nascido, quero eu dizer que, tendo tido o primeiro ganhei experiência e conhecimento que podia aplicar no segundo, apesar que todos os filhos são diferentes, não há dúvidas de que há coisas que são em comum em todas as crianças.

Dar de comer, cuidar da higiene, trocar de roupa, dar miminhos, aconchegar, aninhar, pôr a dormir, tantas coisas que são iguais, repetitivas, óbvias, intuitivas, porém, sem haver qualquer explicação parece que às vezes nos pára o cérebro ou o que quer que seja.

 

Apesar dos meus dois serem dramaticamente diferentes, tiveram duas coisas em comum: Nasceram na mesma hora = 2:45H da manhã (foi nestas duas noites que nunca mais dormi uma noite sossegada) e sempre comeram que se fartavam, chegavam a trepar para cima da mesa de jantar depois da refeição e continuavam a comer de dentro do tacho, além de comilões, sempre desenrascados que uma vez o mais novo apanhei-o, com 3 anos, sentado no chão da cozinha com uma faca de serrilha a tentar abrir um pacote de leite que tinha no meio das pernas, enfim, fiquei com os cabelos em pé de aterrorizada!

 

Faz hoje 17 anos que quando o mais novo por cá apareceu, a novidade que trouxe foi ter sido um parto natural ao contrário do primeiro, contudo e após a hora do nascimento e das actividades inerentes ao pós parto adormeci sobre a madrugada completamento extasiada de cansaço e de emoções, porém às sete da manhã lá vieram as enfermeiras em forma de despertador matinal a abrir as persianas do quarto e a espetarem-nos com o termómetro debaixo do braço.

Tinha a sensação que tinha acabado de ser atropelada por uma retroescavadora, nem as pálpebras conseguia enrolar, as enfermeiras falavam alto, faziam barulho a mexer nos objetos de inox, passados uns minutos uma abeirou-se de mim e pediu-me o termómetro, quase não me mexia, acho até que foi ela que o tirou e de seguida diz para ir tomar banho, eu nem a podia ouvir.

Quase não me mexia, não conseguia de tão cansada e tinha de me poupar para tratar do bébe, porém a muito custo e tirada a ferros da cama lá tive de espevitar à força enquanto isso o bébe ia despertando, mamava o leite e dormia, passou assim o dia, sem dar trabalho, sem chorar, que maravilha de criança, até que por volta dumas 5h da tarde começou a manifestar uma certa inquietude, choramingava mas não era de fome, não era falta de dormir, que seria, perguntava-me eu até que de repente dei um salto, respirei bem fundo, senti um arrepio, fiquei branca, bati com a mão na testa, senti-me a mãe mais desnaturada deste mundo e não podia dizer nada a ninguém.

Ainda não me tinha passado pela cabeça que os bébes não se controlam e fazem as suas necessidades de qualquer maneira e feitio e me lembrei que a fralda daquela pobre criança com 9 horas de vida ainda não tinha sido mudada desde que tinha chegado ao mundo.

Preparo a muda e percebo que a coisa não ia ser fácil, reparo que aquele rabinho tão pequenino de pele sensível estava com um pedaço dum tipo de cimento-cola cor cinzento literalmente colado à pele, rápido percebi que tinha de fazer aquela tarefa às escondidas das enfermeiras não fossem elas achar que eu era alguma tresloucada que nem do filho sabia tratar ainda por cima porque nem era o primeiro e eu já tinha a obrigação de saber por já ser uma mãe experiente.

Discretamente procurei por umas compressas que desviei à socapa, tinha de fazer tudo rápido e ninguém podia perceber, abri a torneira na água morna e desta forma fui retirando aquele cimento, que nem cheira ainda tinha por ser dos componentes da placenta, mílimetro a mílimetro fui decapando aquela massa cinzenta daquele rabinho delicado.

Estava com o trabalho a meio e aparece uma enfermeira no quarto ainda se apercebeu de qualquer coisa mas escondi as compressas e tapei o bébe com uma mantinha que tinha mesmo ao lado e assim que ela virou costas continuei aquela árdua tarefa de descolar o cimento-cola, que dificil que foi tirar aquilo mas pior estava a minha consciência de tão desnaturada que me sentia.

Coitadinho do meu rico menino, carreguei-lhe com creme gordo para ajudar a regenerar aquela pelzinha tão fininha mas que recuperou rápido e bem, hoje por volta da mesma hora mas passados estes 17 anos lembrei-me desta história, parece que só vejo fraldas e muitas compressas, muitas, mesmo muitas  

Parabéns meu príncipe que sabes o que sinto por ti, que sabes o colorido que nos vieste a dar à vida 

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Nota:

A foto ao fundo texto é ele mas uns bons anos mais novo do que agora com os 17.

A foto do inicio do texto, para o caso de haver dúvidas não sou eu e ele, foi retirada duma rede social que desconheço a autoria.