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A Sorte da Raposa

Partilha de emoções, experiências, reflexões ❤

A Sorte da Raposa

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O susto que apanhei

23.05.22, Dulce Ruano

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Mesmo que não acreditemos em coisas do além, e quem acredita tem todo o meu respeito, passamos por momentos que não estão de todo nos nossos pensamentos de acontecer mas mesmo descrentes levam-nos a pensar que podemos estar perto de passar por uma experiência inédita e terrível de ter um espirito ou uma assombração sei lá eu do quê e que a todo o momento surge o Bummmm, gritamos ao mesmo tempo que saltamos ao ar, o sangue foge-nos do corpo e não sabemos mais nada!

Temos noção que são coisas inventadas na nossa cabeça mas apesar disso não nos conseguimos libertar da ideia, até porque nos provocam alguma adrenalina e emoção, também suspense e curiosidade até que algo acontece e nos desvenda o que é de facto acabando por perceber que realmente temos uma imaginação muito fértil sentindo até um alivio enorme, o sangue volta ao corpo, os músculos relaxam e rimo-nos da situação. Somos tão parvos, bem, quem não for, também merece o meu respeito.

Estava hospedada numa Pousada de Juventude com uns amigos e JM num quarto camarata cuja casa de banho era partilhada com outros hóspedes, de passagem como de outras vezes e habituados que disponibilizam toalhas desta vez não havia para todos os hóspedes e também não levei de casa pois contava que houvesse, para ser franca, achei tão deplorável que nem mereceu a minha contestação além de que a estadia servia apenas para dormir umas horas, no dia seguinte ia fazer uma prova de atletismo e por mais banhos que tomasse não me ia pôr mais leve, ainda assim, precisava no mínimo de lavar os meus pezinhos que se recusavam determinantemente a descansar sem serem lavadinhos.

Passava das onze da noite, instalara-se o silêncio. Dirigi-me à casa de banho para lavar os dentes e arranjar uma forma de lavar os pés. O lavatório tinha um enorme espelho ocupando a parede de uma ponta à outra, do lado direito havia uma sequência de espaços de sanita e do lado esquerdo de espaços individuais de chuveiros. Reparei que a entrada para os banhos tinham umas cortinas de plástico que estavam corridas totalmente para um lado o que significava que não havia ninguém a usar porém reparo que a cortina do chuveiro do fundo estava fechada tapando totalmente a entrada para o chuveiro porém também percebo que havia silêncio o que me fez achar que alguém já tinha usado e por alguma razão deixou a cortina fechada depois de usar o banho.

Magicava que tipo de ginástica artística teria de fazer para lavar os pés e como os havia de secar, a zona do duche não era nada favorável, chuveiros eram fixos e respingavam água por todo o lado, parecia que se iam desintegrar pelo que decidi ficar de frente do grande espelho dos lavatórios, pôr uns toalhetes no chão, levantar cada uma das pernas o máximo que conseguisse usando o meu dote equilibrista e tendo as mãos molhadas com a mistura da água e sabonete liquido haveria de lavar cada pé secando depois com toalhetes que por acaso eram de boa qualidade, menos mal.

Estava eu numa situação à MC Gyver quando de repente ouvi algo de subtil ali por perto, através do espelho fixei de imediato o chuveiro do fundo com a cortina fechada na expectativa que a todo o momento alguém abrisse a torneira e iniciaria o suposto banho o que explicaria a minha desconfiança, mas não aconteceu nada. Dei seguimento à lavagem do pé mas de imediato ouço outro barulho, achava que era a minha cabeça tola e não dei importância, enquanto isso passava a mão pelo pé já molhado e tentava lavar, o barulho repetiu-se. Fiquei assustada. Não havia ninguém, a cortina corrida e os barulhos de vez em quando surgiam, ao mesmo tempo havia um grande silêncio no edifício o que enaltecia aqueles barulhitos ao de leve. Cada vez mais desconfiada e um pouco a tremelicar porque a capacidade de equilíbrio estava a diminuir, sequei o pé com os toalhetes, calcei uma meia lavada e dou de frosques dali para fora a caminho da camarata.

Faltava lavar o outro pé e estava fora de questão ir para a cama com um lavado e outro não pelo que pensei em pedir ao JM que fosse comigo à casa de banho dos homens, ele ficaria à porta a certificar-se que ninguém entraria mas não estava no quarto pelo que decidi ir sozinha e arriscar porém parece que escolhi o momento de hora de ponta, havia vários homens a entrar e a sair, desisti de imediato.

No meio do corredor senti que tinha de voltar à casa de banho das mulheres e que havia de enfrentar aquela coisa que me atormentava. Entrei, tudo em silêncio, pensei que já tudo teria passado mas a cortina ainda estava da mesma forma pelo que me armei em forte e voltei à posição de equilibrista, logo o barulho repete-se por mais duas vezes, de imediato, ouve-se o barulho da cortina a abrir, nesse instante fecho os olhos, mantenho a perna elevada e tento controlar a respiração para não pôr a Pousada em alvoroço.

Alguém se aproxima de mim e quando tomo coragem para abrir os olhos ao de leve, vejo uma mulher ao meu lado junto ao lavatório a olhar meio de lado para mim, talvez devido à minha posição de flamingo e reparo que pousa na bancada um pequeno biberão e uma bomba manual de tirar leite!

 

Realmente pensei que o que é desconhecido para nós pode-se tornar numa tormenta e afinal o melhor é não fugir porque depois não descobrimos o que é, gritar também não senão ficamos conotados por tresloucados e demasiado sensíveis quando no fundo até somos fortes porque não desistimos de descobrir o que nos incomoda e no final ainda damos uma boa gargalhada sobre o que passámos fruto da nossa imaginação fértil.

No primeiro de Maio

03.05.22, Dulce Ruano

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Em todos os dias da minha vida acontecem histórias, como tal, na data comemorativa do dia do trabalhador, 1 de Maio ou 1º de Maio não seria a exceção.

Na minha cidade todos os anos no 1º de Maio ou no dia 1 do mês de Maio, ambas são suscetíveis de se dizerem, é realizada uma marcha e corrida de atletismo entre a vila de Aldeia de Carvalho e a cidade da Covilhã.

Além de proporcionar à sociedade um dia de festa e convívio no dia comemorativo do trabalhador, a entidade organizadora enaltece acima de tudo os trabalhadores do Têxtil que noutros tempos mais remotos faziam o percurso a pé da Aldeia de Carvalho para a Covilhã, no fim da jornada regressavam.

Naquela época do auge do Têxtil na cidade da Covilhã havia operários de todo o lado, porém onde se destacavam mais era nesta aldeia a cerca de 10 Kms da cidade, foram tempos muito duros, passaram por muita dificuldade, fome, frio, descontentamento, reivindicações por uma vida profissional digna o que originou em lutas bravas. Para se ter uma ideia basta-se ler “A Lã e a Neve” de Ferreira de Castro, onde consegue descrever, deixando um rico testemunho mesmo em jeito de ficção da vida das pessoas nestes tempos conseguindo transportar-nos para a crua realidade e que mais não seja para nos servir de alento para aquilo que temos hoje.

A propósito desta sugestão de leitura fica ainda a dica para a peça de teatro produzida pela ASTA que, inspirada neste livro e de forma muito simples mas criativa nos leva através de um caso de amor entre Horácio e a sua amada Idalina com os seus dilemas de vida tão comuns para a época de instabilidade e pobreza.

A dois dias desta prova meu treinador sugeriu me inscrever. Não hesitei, há alguns anos que andava a tomar coragem para participar mas, bem conhecedora dos altos e baixos da cidade encolhia-me ao tremendo esforço só de passar o filme do percurso por pensamentos. Desta vez não pensei nisso, deixei que acontecesse, corria onde podia e caminhava a passos largos nas íngremes subidas.

Junto com meu grupo de corrida fomos transportados em carrinhas da Associação que íamos representar: “Grupo Desportivo da Mata”. Na Aldeia de Carvalho havia um frenesim de gente, atletas de corrida, de marcha, Motards, espetadores, admiradores, organizadores e ainda um grupo de dançantes orientadas por uma professora de Kizomba. Encontrei várias pessoas conhecidas que me foram dando palavrinhas de alento, a partida deu-se às 10:20h da manhã, o calor ardia sobre nós, logo após o tiro de saída e vinte metros à frente começa a primeira subida, aquilo é que foi gente a passar-me à frente, parecia que me iam deixar sozinha no mundo, com grande esforço fui subindo mas senti que os meus gémeos deram a primeira quebra, senti umas securas na garganta que parecia ter acabado de fazer uma maratona, bolas, tinha acabado de percorrer 100 metros.

Não é normal passado tão pouco tempo ficar com os músculos quinados, terá sido de esforço na primeira rampa, terá sido de andar com o sistema imunitário em baixo, terá sido da carga emocional menos boa, dos valores alterados da TSH ou terá sido mesmo aselhice minha, algo não estava bem, ainda assim, desistir foi algo que nem me passou pela cabeça, havia de lá chegar…

A rua, ladeada de apoiantes batiam palmas e davam força, de vez em quando ouvia o meu nome “Força Dulce”, “Dulce, muito bem, dá-lheeee”, “Tu és danada” e foi assim até sair da vila que se seguiu duma reta para repor descanso aos músculos, após esta reta deu inicio uma descida em picada, o que eu corri, tomei um balanço do caraças, dava passadas de alguns dois metros até cheguei a pensar que se me esbardalhasse havia de ser bonito, havia, mas sentia que dominava o corpo e a aderência do calçado era boa, achava que ganharia terreno, a questão é que os outros atletas fizeram o mesmo, duma varanda de uma moradia ouvi uma voz “Vá vizinha, não desanime, muita força, ahhh ela nem me vê nem ouve” mas ouvi sim e pela voz a reconheci, foi minha vizinha há muitos anos e uma boa vizinha sim, logo mais abaixo a minha cunhada apelava por mim.

Começo a perceber que quase ladeada a mim, ora passava à frente ora ficava atrás havia uma miúda que me ia acompanhado, senti que íamos fazer equipa até que numa pequena subida abrandamos o ritmo e ela diz que a coisa estava difícil mas havíamos de lá chegar, concordei e disse-lhe “bora lá atão, força” e seguimos novamente a correr, íamos caminhando e correndo até que entramos numa rua, espécie de avenida onde havia muita gente a aplaudir e a dar força, ia agradecendo e sorria, da varanda dum prédio alguém cantava os Parabéns para nós, fez-nos rir, a miúda perguntou se seria para mim, disse-lhe que tinha feito a 9 de Abril já estaria fora de prazo e ela diz, “Ahhh então é para mim, fiz anos ontem”, dei-lhe os Parabéns e disse-me que tinha feito 18 anos.

Caramba, fiquei a pensar como é que com 18 anos estava com dificuldades em corrida, disse-me que é velocista de 100 metros, participava nesta prova para ajudar a ganhar resistência, estava explicado, porém eu só tenho mais trinta e cinco anos que ela, disse-me que esperava chegar à minha idade com a mesma genica e aspeto de jovem. Aquela rua ajudou-nos a adiantar umas boas passadas, além da força dos apoiantes tem uma ligeira inclinação que nos ajudou a avançar mas era a última porque a partir dali eram só picadas a subir até à meta.

Assim que iniciámos a subir abrandamos e fomos a caminhar um bom bocado, na entrada duma rua estava um GNR a tapar passagem, junto dele estava o meu pai e quando vi que era ele já não dava tempo para voltar a correr e ficar bem vista, tive de dar parte fraca o que não me agradou mas não havia nada a fazer, a miúda continuava a acompanhar-me, voltámos a correr e apanhámos água num posto que ali havia, senti-me como uma esponja, o que bebia absorvia tudo de imediato.

A miúda a partir de uma certa altura, mesmo em subida continuava a correr, com esforço, devagarinho mas ia e eu a caminhar a passos largos, passei as bombas da BP e logo a seguir à curva estava uma rapariga deitada no passeio e um rapaz segurava-lhes as pernas para cima, quando me aproximei perguntei se eram cãibras, caso fosse fazia-lhe uma massagem, mas disse que era má disposição e fraqueza, disse-lhes “ok, descanso e água”, vi que estavam abastecidos e segui, chego à universidade e faço mais uma corrida, havia fotógrafos a captarem-me e quando acabo de passar a universidade decidi que não correria mais até à meta, seria demasiado doloroso, já pensava na mini maratona a fazer em Lisboa daí a uma semana.

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Subo mais um pouco, estaria a um km da meta mas a picada era grande, passa por mim um atleta com o saco de oferta em sentido contrário, aqui vi o quanto eu estava tanto para trás mas não me importei, não desistia, e mais um pouco teria chegado ao fim mesmo a caminhar.

A faltar uns 30 metros para a meta, surge uma atleta bastante alta e magra com um ar egípcio e diz “Ohhh Dulce então, força nisso, tens de correr, vá lá”, só depois a reconheci, tinha sido minha formadora da ação de Formadores, disse-lhe “Piedade, eu não consigoooo, os meus músculos já não permitem mais”, e ela insiste “mas tens de fazer mais um esforço, é o último, exercita pelo menos os braços fazendo de conta que corres, faz assim, olha aqui” ao mesmo tempo ela põe a mão dela sobre as minhas costas e é como que me empurrava levemente e não é que comecei a correr, acompanhou-me até à entrada da meta e segui.

A miúda, não a vi mais, nem sei o nome dela mas sei a associação que representa, a Piedade logo me cruzarei com ela e ficar-lhe eternamente grata. Os atletas continuavam a chegar, abriguei-me do calor tórrido por baixo das arcadas do edifício da câmara, fiz uns alongamentos, subi mais uma grande picada até à associação que fica já no sopé da Serra da Estrela e tomei um duche, retemperei forças durante a tarde e aqui estou preparada para a próxima mini maratona em Lisboa daqui a seis dias.

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