O susto que apanhei
Mesmo que não acreditemos em coisas do além, e quem acredita tem todo o meu respeito, passamos por momentos que não estão de todo nos nossos pensamentos de acontecer mas mesmo descrentes levam-nos a pensar que podemos estar perto de passar por uma experiência inédita e terrível de ter um espirito ou uma assombração sei lá eu do quê e que a todo o momento surge o Bummmm, gritamos ao mesmo tempo que saltamos ao ar, o sangue foge-nos do corpo e não sabemos mais nada!
Temos noção que são coisas inventadas na nossa cabeça mas apesar disso não nos conseguimos libertar da ideia, até porque nos provocam alguma adrenalina e emoção, também suspense e curiosidade até que algo acontece e nos desvenda o que é de facto acabando por perceber que realmente temos uma imaginação muito fértil sentindo até um alivio enorme, o sangue volta ao corpo, os músculos relaxam e rimo-nos da situação. Somos tão parvos, bem, quem não for, também merece o meu respeito.
Estava hospedada numa Pousada de Juventude com uns amigos e JM num quarto camarata cuja casa de banho era partilhada com outros hóspedes, de passagem como de outras vezes e habituados que disponibilizam toalhas desta vez não havia para todos os hóspedes e também não levei de casa pois contava que houvesse, para ser franca, achei tão deplorável que nem mereceu a minha contestação além de que a estadia servia apenas para dormir umas horas, no dia seguinte ia fazer uma prova de atletismo e por mais banhos que tomasse não me ia pôr mais leve, ainda assim, precisava no mínimo de lavar os meus pezinhos que se recusavam determinantemente a descansar sem serem lavadinhos.
Passava das onze da noite, instalara-se o silêncio. Dirigi-me à casa de banho para lavar os dentes e arranjar uma forma de lavar os pés. O lavatório tinha um enorme espelho ocupando a parede de uma ponta à outra, do lado direito havia uma sequência de espaços de sanita e do lado esquerdo de espaços individuais de chuveiros. Reparei que a entrada para os banhos tinham umas cortinas de plástico que estavam corridas totalmente para um lado o que significava que não havia ninguém a usar porém reparo que a cortina do chuveiro do fundo estava fechada tapando totalmente a entrada para o chuveiro porém também percebo que havia silêncio o que me fez achar que alguém já tinha usado e por alguma razão deixou a cortina fechada depois de usar o banho.
Magicava que tipo de ginástica artística teria de fazer para lavar os pés e como os havia de secar, a zona do duche não era nada favorável, chuveiros eram fixos e respingavam água por todo o lado, parecia que se iam desintegrar pelo que decidi ficar de frente do grande espelho dos lavatórios, pôr uns toalhetes no chão, levantar cada uma das pernas o máximo que conseguisse usando o meu dote equilibrista e tendo as mãos molhadas com a mistura da água e sabonete liquido haveria de lavar cada pé secando depois com toalhetes que por acaso eram de boa qualidade, menos mal.
Estava eu numa situação à MC Gyver quando de repente ouvi algo de subtil ali por perto, através do espelho fixei de imediato o chuveiro do fundo com a cortina fechada na expectativa que a todo o momento alguém abrisse a torneira e iniciaria o suposto banho o que explicaria a minha desconfiança, mas não aconteceu nada. Dei seguimento à lavagem do pé mas de imediato ouço outro barulho, achava que era a minha cabeça tola e não dei importância, enquanto isso passava a mão pelo pé já molhado e tentava lavar, o barulho repetiu-se. Fiquei assustada. Não havia ninguém, a cortina corrida e os barulhos de vez em quando surgiam, ao mesmo tempo havia um grande silêncio no edifício o que enaltecia aqueles barulhitos ao de leve. Cada vez mais desconfiada e um pouco a tremelicar porque a capacidade de equilíbrio estava a diminuir, sequei o pé com os toalhetes, calcei uma meia lavada e dou de frosques dali para fora a caminho da camarata.
Faltava lavar o outro pé e estava fora de questão ir para a cama com um lavado e outro não pelo que pensei em pedir ao JM que fosse comigo à casa de banho dos homens, ele ficaria à porta a certificar-se que ninguém entraria mas não estava no quarto pelo que decidi ir sozinha e arriscar porém parece que escolhi o momento de hora de ponta, havia vários homens a entrar e a sair, desisti de imediato.
No meio do corredor senti que tinha de voltar à casa de banho das mulheres e que havia de enfrentar aquela coisa que me atormentava. Entrei, tudo em silêncio, pensei que já tudo teria passado mas a cortina ainda estava da mesma forma pelo que me armei em forte e voltei à posição de equilibrista, logo o barulho repete-se por mais duas vezes, de imediato, ouve-se o barulho da cortina a abrir, nesse instante fecho os olhos, mantenho a perna elevada e tento controlar a respiração para não pôr a Pousada em alvoroço.
Alguém se aproxima de mim e quando tomo coragem para abrir os olhos ao de leve, vejo uma mulher ao meu lado junto ao lavatório a olhar meio de lado para mim, talvez devido à minha posição de flamingo e reparo que pousa na bancada um pequeno biberão e uma bomba manual de tirar leite!
Realmente pensei que o que é desconhecido para nós pode-se tornar numa tormenta e afinal o melhor é não fugir porque depois não descobrimos o que é, gritar também não senão ficamos conotados por tresloucados e demasiado sensíveis quando no fundo até somos fortes porque não desistimos de descobrir o que nos incomoda e no final ainda damos uma boa gargalhada sobre o que passámos fruto da nossa imaginação fértil.