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A Sorte da Raposa

Partilha de emoções, experiências, reflexões ❤

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No primeiro de Maio

03.05.22, Dulce Ruano

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Em todos os dias da minha vida acontecem histórias, como tal, na data comemorativa do dia do trabalhador, 1 de Maio ou 1º de Maio não seria a exceção.

Na minha cidade todos os anos no 1º de Maio ou no dia 1 do mês de Maio, ambas são suscetíveis de se dizerem, é realizada uma marcha e corrida de atletismo entre a vila de Aldeia de Carvalho e a cidade da Covilhã.

Além de proporcionar à sociedade um dia de festa e convívio no dia comemorativo do trabalhador, a entidade organizadora enaltece acima de tudo os trabalhadores do Têxtil que noutros tempos mais remotos faziam o percurso a pé da Aldeia de Carvalho para a Covilhã, no fim da jornada regressavam.

Naquela época do auge do Têxtil na cidade da Covilhã havia operários de todo o lado, porém onde se destacavam mais era nesta aldeia a cerca de 10 Kms da cidade, foram tempos muito duros, passaram por muita dificuldade, fome, frio, descontentamento, reivindicações por uma vida profissional digna o que originou em lutas bravas. Para se ter uma ideia basta-se ler “A Lã e a Neve” de Ferreira de Castro, onde consegue descrever, deixando um rico testemunho mesmo em jeito de ficção da vida das pessoas nestes tempos conseguindo transportar-nos para a crua realidade e que mais não seja para nos servir de alento para aquilo que temos hoje.

A propósito desta sugestão de leitura fica ainda a dica para a peça de teatro produzida pela ASTA que, inspirada neste livro e de forma muito simples mas criativa nos leva através de um caso de amor entre Horácio e a sua amada Idalina com os seus dilemas de vida tão comuns para a época de instabilidade e pobreza.

A dois dias desta prova meu treinador sugeriu me inscrever. Não hesitei, há alguns anos que andava a tomar coragem para participar mas, bem conhecedora dos altos e baixos da cidade encolhia-me ao tremendo esforço só de passar o filme do percurso por pensamentos. Desta vez não pensei nisso, deixei que acontecesse, corria onde podia e caminhava a passos largos nas íngremes subidas.

Junto com meu grupo de corrida fomos transportados em carrinhas da Associação que íamos representar: “Grupo Desportivo da Mata”. Na Aldeia de Carvalho havia um frenesim de gente, atletas de corrida, de marcha, Motards, espetadores, admiradores, organizadores e ainda um grupo de dançantes orientadas por uma professora de Kizomba. Encontrei várias pessoas conhecidas que me foram dando palavrinhas de alento, a partida deu-se às 10:20h da manhã, o calor ardia sobre nós, logo após o tiro de saída e vinte metros à frente começa a primeira subida, aquilo é que foi gente a passar-me à frente, parecia que me iam deixar sozinha no mundo, com grande esforço fui subindo mas senti que os meus gémeos deram a primeira quebra, senti umas securas na garganta que parecia ter acabado de fazer uma maratona, bolas, tinha acabado de percorrer 100 metros.

Não é normal passado tão pouco tempo ficar com os músculos quinados, terá sido de esforço na primeira rampa, terá sido de andar com o sistema imunitário em baixo, terá sido da carga emocional menos boa, dos valores alterados da TSH ou terá sido mesmo aselhice minha, algo não estava bem, ainda assim, desistir foi algo que nem me passou pela cabeça, havia de lá chegar…

A rua, ladeada de apoiantes batiam palmas e davam força, de vez em quando ouvia o meu nome “Força Dulce”, “Dulce, muito bem, dá-lheeee”, “Tu és danada” e foi assim até sair da vila que se seguiu duma reta para repor descanso aos músculos, após esta reta deu inicio uma descida em picada, o que eu corri, tomei um balanço do caraças, dava passadas de alguns dois metros até cheguei a pensar que se me esbardalhasse havia de ser bonito, havia, mas sentia que dominava o corpo e a aderência do calçado era boa, achava que ganharia terreno, a questão é que os outros atletas fizeram o mesmo, duma varanda de uma moradia ouvi uma voz “Vá vizinha, não desanime, muita força, ahhh ela nem me vê nem ouve” mas ouvi sim e pela voz a reconheci, foi minha vizinha há muitos anos e uma boa vizinha sim, logo mais abaixo a minha cunhada apelava por mim.

Começo a perceber que quase ladeada a mim, ora passava à frente ora ficava atrás havia uma miúda que me ia acompanhado, senti que íamos fazer equipa até que numa pequena subida abrandamos o ritmo e ela diz que a coisa estava difícil mas havíamos de lá chegar, concordei e disse-lhe “bora lá atão, força” e seguimos novamente a correr, íamos caminhando e correndo até que entramos numa rua, espécie de avenida onde havia muita gente a aplaudir e a dar força, ia agradecendo e sorria, da varanda dum prédio alguém cantava os Parabéns para nós, fez-nos rir, a miúda perguntou se seria para mim, disse-lhe que tinha feito a 9 de Abril já estaria fora de prazo e ela diz, “Ahhh então é para mim, fiz anos ontem”, dei-lhe os Parabéns e disse-me que tinha feito 18 anos.

Caramba, fiquei a pensar como é que com 18 anos estava com dificuldades em corrida, disse-me que é velocista de 100 metros, participava nesta prova para ajudar a ganhar resistência, estava explicado, porém eu só tenho mais trinta e cinco anos que ela, disse-me que esperava chegar à minha idade com a mesma genica e aspeto de jovem. Aquela rua ajudou-nos a adiantar umas boas passadas, além da força dos apoiantes tem uma ligeira inclinação que nos ajudou a avançar mas era a última porque a partir dali eram só picadas a subir até à meta.

Assim que iniciámos a subir abrandamos e fomos a caminhar um bom bocado, na entrada duma rua estava um GNR a tapar passagem, junto dele estava o meu pai e quando vi que era ele já não dava tempo para voltar a correr e ficar bem vista, tive de dar parte fraca o que não me agradou mas não havia nada a fazer, a miúda continuava a acompanhar-me, voltámos a correr e apanhámos água num posto que ali havia, senti-me como uma esponja, o que bebia absorvia tudo de imediato.

A miúda a partir de uma certa altura, mesmo em subida continuava a correr, com esforço, devagarinho mas ia e eu a caminhar a passos largos, passei as bombas da BP e logo a seguir à curva estava uma rapariga deitada no passeio e um rapaz segurava-lhes as pernas para cima, quando me aproximei perguntei se eram cãibras, caso fosse fazia-lhe uma massagem, mas disse que era má disposição e fraqueza, disse-lhes “ok, descanso e água”, vi que estavam abastecidos e segui, chego à universidade e faço mais uma corrida, havia fotógrafos a captarem-me e quando acabo de passar a universidade decidi que não correria mais até à meta, seria demasiado doloroso, já pensava na mini maratona a fazer em Lisboa daí a uma semana.

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Subo mais um pouco, estaria a um km da meta mas a picada era grande, passa por mim um atleta com o saco de oferta em sentido contrário, aqui vi o quanto eu estava tanto para trás mas não me importei, não desistia, e mais um pouco teria chegado ao fim mesmo a caminhar.

A faltar uns 30 metros para a meta, surge uma atleta bastante alta e magra com um ar egípcio e diz “Ohhh Dulce então, força nisso, tens de correr, vá lá”, só depois a reconheci, tinha sido minha formadora da ação de Formadores, disse-lhe “Piedade, eu não consigoooo, os meus músculos já não permitem mais”, e ela insiste “mas tens de fazer mais um esforço, é o último, exercita pelo menos os braços fazendo de conta que corres, faz assim, olha aqui” ao mesmo tempo ela põe a mão dela sobre as minhas costas e é como que me empurrava levemente e não é que comecei a correr, acompanhou-me até à entrada da meta e segui.

A miúda, não a vi mais, nem sei o nome dela mas sei a associação que representa, a Piedade logo me cruzarei com ela e ficar-lhe eternamente grata. Os atletas continuavam a chegar, abriguei-me do calor tórrido por baixo das arcadas do edifício da câmara, fiz uns alongamentos, subi mais uma grande picada até à associação que fica já no sopé da Serra da Estrela e tomei um duche, retemperei forças durante a tarde e aqui estou preparada para a próxima mini maratona em Lisboa daqui a seis dias.

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