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A Sorte da Raposa

Partilha de emoções, experiências, reflexões ❤

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O casaco das riscas

22.06.22, Dulce Ruano

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Havia largos meses que andava “dia para dia" ir ter com uma pessoa profissional no hospital para lhe entregar uma coisita relacionada com um assunto pessoal, seria cumprimentar e entregar o que levaria uns dois minutos, no entanto estava restrita a fazer isto apenas e só no meu tempo de almoço o que por si só implicaria alguma ligeireza, como não era urgente andei a engonhar e a dizer a mim mesma que logo lá ia, logo irei, talvez para próxima semana, talvez próximo mês, um dia destes, enfim! Por hábito almoço no local de trabalho e uns dias não me apetecia, outros não me lembrava, outros estava calor e outos estava frio.

Finalmente hoje tive o impulso e a decisão tomada que era o dia. Poderia ter almoçado antes porém para garantir que depois não me dava a pancada de já não ir, levei a comida comigo e fui diretamente ao hospital. Dirijo-me ao gabinete onde a pessoa trabalha e duas milésimas antes acabara de chegar um casal, batem á porta e a profissional pede para aguardar um pouco pois estava a atender alguém.

Aguardamos por ali e logo a senhora começa conversa comigo: “Eu até só cá venho para mostrar estes valores que andei a apontar, veja lá que era para cá ter vindo dia 7 mas esqueci-me, nesse dia vim fazer uma ecografia e podia logo ter resolvido mas a minha cabeça anda de todo, aqui o meu marido teve um principio de um AVC e ainda não anda bem, depois tive um filho também doente, eu ando a ver se arranjo uma consulta num psiquiatra mas tem de ser particular que por aqui não me safo e veja lá que nem médico de família tenho, olhe é só problemas”.

Esta conversa está bastante resumida, pois a senhora entrou em tantos detalhes que tenho dificuldade em reproduzir, porém, o meu coração mole manifestou-se e fui dando umas dicas para ambos, o marido nunca falou, senti que o senhor não estava bem e de facto a senhora confirmara: “Olhe, o meu marido não lhe dá para fazer nada, come de manhã vai logo para a cama, seguir ao almoço não se aguenta dez minutos vai-se logo deitar…”, continuei a argumentar naquilo que sei no sentido de os apoiar e fornecer ferramentas que os anime e a ganhar força, espero que algum resultado positivo se reflita sobre aquele casal.

Passado uns quinze minutos depois de muita conversa, achei melhor abandonar a ideia de resolver o meu assunto, ainda tinha de almoçar e dar tempo a regressar ao trabalho, antes de sair desejei-lhes força e felicidades.

Assim que saio para o exterior vejo uma trombada de água como se tratasse de um dia de Inverno, até cheguei a duvidar da época do ano em que estamos e por alguns segundos sintonizei-me no tempo e lembrei-me “Caraças, mas o Verão entrou ontem!”. Iniciei uma corrida até ao carro, a água entranhava-se-me na roupa, escorria pelo cabelo e rosto e o pior de tudo é que naquela euforia perdi a orientação do estacionamento do carro e segui por instinto, por segundos abriguei-me debaixo de uma árvore para decidir por onde ir e otimizar tempo de chegada.

Entro dentro do carro totalmente encharcada, os bancos da frente também estavam molhados pois não tivesse eu deixado ambos os vidros um pouco abertos devido à temperatura que estava quando estacionei, ainda assim achei-me com sorte não ter deixado o meu casaco dentro do carro, só o levei vestido motivada pelos elogios que a minha Amiga Célia me tinha dado de manhã, de facto concordo com ela, este casaco é mesmo giro, às riscas horizontais azul e branco e adoro usá-lo e se tenho ido só de blusa tão fininha como é, melhor nem imaginar como ficaria, abençoado elogio que me valeu não só em auto estima como me preveniu de uma condição meteorológica inesperada.

Almocei dentro do carro e pensava como era possível que há mais de meio ano andava para ali ir e neste dia decisivo para além de não ter concretizado o objetivo ainda apanho por acréscimo uma valente molha, quem sabe o objetivo teria sido encontrar aquele casal a quem dei, espero eu, alguma sugestão que lhes valha para o seu bem estar, quero pensar assim o que me faz pensar que tenha tudo valido a pena.

A trombada de água logo passou, uns minutos depois de chegar ao local de trabalho estava tudo bem tirando a sensação de que tinha a roupa colada ao corpo. Ahhh e também depois pensei que afinal saíra e não tinha resolvido nada do que me levou a decidir ir neste dia mas com o poder da aceitação encarei como um tempo feliz e de alguma forma útil sem sentir que foi um desperdício e para terminar bem carregou-me de emoção e euforia resultando na prova de que em tudo o que nos rodeia é mote de aventura. Tão bom sentir a vida.