Deep Purple
Por mais testes e exames que tenha feito ao longo da minha vida, o diagnóstico é peremptório, o rock corre-me nas veias e apesar de dar ouvidos a muitos e tantos estilos musicais, o rock prevalece, mesmo se assisto a uma obra de ópera, que adoro, o rock continua cá, impregnado totalmente no meu espirito não arreda pé das emoções e da adrenalina que floresce em mim.
Assisti a concertos e festivais que já fariam história se um dia a contasse, vi e ouvi muita coisa e há tantos outros que gostaria de ter ido, de ir e outros que apesar de gostar de ver não me passaria pela cabeça ainda ver, digo ainda referindo-me aos velhinhos do rock, aqueles que emergiram no fim dos anos 60.
Talvez não me passasse pela cabeça um dia ainda poder ver os Deep Purple ao vivo, ouvir o carismático Smoke on the Water tocado originalmente à minha frente. Esta probabilidade vem à conta da inevitável passagem do tempo que não há forma de travar, muito menos de comprar, qual fonte de rejuvenescimento qual quê que só existe em pensamentos, desejos ou alucinações.
Por tal e tendo em conta que os elementos da banda são humanos e já têm uns bons anitos de vida, ora veja-se que quando se formaram eu não era nascida e eles já eram uns homens crescidos portanto fazendo as contas por alto fica sempre a dúvida da possibilidade de ainda os ver não fossem estes mestres verdadeiros amantes daquilo que muito bem sabem fazer.
Anunciaram a sua passagem, talvez a última, por Portugal um ano antes, comprei bilhetes imediatamente. Quando me proponho a ver concertos da velha guarda fico sempre na dúvida se faço uma boa opção, tudo muito bem que eles tocam e cantam e os hits são sempre bem vindos mas desde que há uns anos apanhei uma enorme desilusão com o meu amado Billy Idol, o grandioso rockeiro dos anos 80 de cabelo amarelo espetado, vestido de cabedal com tachas e correntes e a conduzir maquinões de motas cheias de estilo, ora bolas, não deu uma para a caixa e o que valeu foi terem chegado os Gogol Bordello que partiram aquilo tudo para ao menos ter justificado o aparato que tive de fazer para ali estar.
De facto a partir daí penso duas vezes se valerá a pena, não me tenho arrependido e há-os que repito, há alguns que vejo as vezes que vierem e sem refletir.
Ouço Deep Purple desde miúda, não lhes segui as pisadas, ouço e gosto muito, não, não gosto, adoro, são de um rock como me sabe bem sentir, é deste que gosto, é este que me corre nas veias e propus-me a vê-los. O público era transversal a qualquer idade mas sem dúvida que prevalecia os nascidos na década de 60 e palavras para quê, sabemos bem que foram anos loucos e quem aparecia no panorama musical principalmente desta onda era venerado e não o era só por modas é que estes músicos são mesmo bons no que fazem.
Gosto de apreciar o ambiente circundante antes de entrar para o recinto do concerto, vejo grupos de pessoas e vejo pessoas sozinhas, homens, mulheres, jovens, alguns de tenra idade mas gosto principalmente de apreciar os homens e mulheres que nasceram na década em que se formaram os Deep Purple, gosto de lhes sentir o carisma e imaginar o quanto se fartaram de curtir nos tempos áureos dos grandes e sonantes temas.
Entro para o recinto, ninguém foi revistado, ós anos que isto não acontecia. Os Deep Purple chegam ao palco, sempre tive uma admiração por Ian Gillan, rapaz bonito, cara redonda e uma farta cabeleira comprida, dono de um vozeirão que faz estremecer a léguas, intenso e determinante. Estava à espera que chegassem uns homens de setenta e sete anos e de facto vieram mas a sensação que senti foi de uns homens com cento e sete anos o que me deixou com boas expectativas e certezas que iria assistir algo de muito bom.
Não desiludiram, de todo, criaram em mim uma intriga de como é possível tocarem de forma tão perfeita, harmoniosa e uma maior admiração por todos particularmente no frontman que continua um homem bonito e carismático.
O baterista de cabelo branco, franja grossa e rabo de cavalo arredondado parecia uma avozinha mas a pujança de manipular os pauzitos da bateria foi de mestre, o famoso órgão fez-me estar uma dúzia de tempo a perceber se era ou não era uma senhora (aconteceu a muita gente) por fim lá percebi que se tratava de um grande mestre das teclas, a mestria com que lidou com aquilo foi encantador.
O guitarrista, um novato de quarenta e três anos foi uma autêntica estrela e de facto os focos passaram maior parte do tempo sobre ele, não foi para menos, maravilhosos riffs, excelente músico e boa escolha de substituição (e faz anos no mesmo dia que eu ihihih).
No final, quando saí do recinto questionei-me se os voltaria a ver caso houvesse mais uma oportunidade, confirmei a mim mesma que não, há coisas na vida que de tão boas não devem ser repetidas.