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A Sorte da Raposa

Partilha de emoções, experiências, reflexões ❤

A Sorte da Raposa

Partilha de emoções, experiências, reflexões ❤

Visita à Lello

29.07.23, Dulce Ruano

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Depois das muitas tentativas de entrar na Livraria Lello, todas falhadas pela pouca paciência e falta de estratégia de estar na fila para entrar, também não só, na verdade sinto que estamos num país tão acessível a nível físico, em poucas horas conseguimos estar onde quisermos que dizia sempre “fica para a próxima”.

Pela primeira vez, sem pensar sequer planear ir lá, tínhamos algumas horas disponíveis antes de apanhar um voo e foi desta. Estacionámos pela Praça dos Leões e ao virar da esquina lá estava a famosa fila no entanto percebemos que havia um sistema diferente, através de aplicação faz-se a reserva, pagam-se os tickets e as entradas/saídas estão sempre a circular, depois de entrarmos percebemos que de facto há uma grande e relativamente rápida rotação dos visitantes.

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Permanecemos algum tempo com a difícil tarefa de tirar fotos, ver livros e fazer compra de alguns mas acima de tudo admirar o esplendor daquela arquitetura mística, que pedaço de edifício interior daquela rua tão maravilhosamente bonito e romântico.

O encanto de ali estar dominou-me até ao momento de sentir que precisava de aliviar a bexiga.

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Comecei por resistir, não seria aquela vontade que me iria inibir de ali estar, depois percebi que não aguentaria por muito tempo mas muito rapidamente poderia resolver a questão, perguntei a um colaborador onde era a casa de banho que disse prontamente “Lamento mas não temos, poderá tentar ali ao lado”, decidi seguir o seu conselho, apesar de já ter visto a Lello em todos os ângulos custou-me sair, queria ter ficado mais um pouco.

Entrei na porta ao lado, era uma grande gelataria e percebi que tinha de comer um gelado para justificar a ida à casa de banho mas isso ficaria para o fim. Após entrar e chegar ao meio da grande sala desci umas escadas, na direção da porta havia quatro senhoras, que tortura! Não me demovi, precisava mesmo de ir e aguardei pacientemente nas últimas escadas.

Saiu uma senhora, entra outra porém quando esta estava para sair iniciou uma pequena luta com a porta, fartava-se de puxar para dentro e a porta nem abanava, fiquei com uma certa impressão que iria ter problemas. Casa de banho interior, térrea, porta difícil e eu com pânico em ficar fechada naquele lugar, por essa razão nunca fecho a porta desta divisão onde quer que seja, prefiro até que me vejam de calças na mão!

Era nítida a luta no interior, a mulher puxava para dentro e outra do lado de fora empurrava com toda a força do seu corpo, só passado um pouco e sem mais nem menos a porta abriu, a mulher vinha meio descabelada e suada, tive vontade de me ir embora mas estava tão aflita, ponderei ir à dos homens mas eles apesar de não fazerem fila não arredavam pé dali, um a um, aguardei pelo desfecho.

A senhora que entra a seguir trava também uma luta desigual, aquilo era puxar por todo o lado e a porta não abria, a que estava à minha frente ajudava e a seguir juntei-me a ela, de repente aquilo abre, alguma coisa estranha se passava.

Quando chega a minha vez e cada momento mais aflita sabia que para não entrar em pânico teria de arranjar uma forma que a porta não se fechasse mas para isso tinha de perceber a causa daquilo acontecer. Entrei e pus de imediato um pé entre a porta e o roda pé, estudei o tipo de fechadura que para minha surpresa não tinha, olhei para cima e vi que era um sistema de íman, ao abrir e fechar com bastante frequência criava uma espécie de atração entre as duas placas que não permitia descolarem-se rapidamente uma da outra, teria de estudar como tirar o pé da entrada e chegar à sanita sem que a porta se fechasse.

Peguei num pedaço de papel higiénico e inseri entre as duas placas, a senhora que tinha ficado do lado de fora era minha cúmplice e sabia que não deixaria entrar ninguém, em contrapartida ensinei-lhe depois a técnica. Caramba:

  • Do que eu me livrei!
  • Da emoção de entrar na Lello!
  • O alivio que senti!
  • Até me esqueci de comer o gelado

The Division Bell Tour

24.07.23, Dulce Ruano

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Sábado, 22 de Julho, fez 29 anos que estive num dos maiores e melhores concertos que Portugal já teve. Bilhete.jpg

"The Division Bell" foi a tour recebida no Estádio de Alvalade, estava entre as 85.000 pessoas que assistiram ao místico concerto da big band Pink Floyd. Na altura alguém muito fã da banda me dizia que não vindo com Syd Barrett o concerto já não seria o mesmo como teria sido uns anos antes com os membros originais ainda assim, a liderança e vocal do carismático David Gilmour foi majestoso e um dos melhores espetáculos que assisti na minha vida

O público era variadissimo, desde malta da minha idade, estava para aí com uns 24, havia pais, avós, netos, pequenas crianças, o ambiente extremamente pacifico porém com mais fumos que no concerto dos Metallica no ano anterior/1993.

A harmonia criada entre as pessoas, neste caso transversal a várias gerações, foi algo que me surpreendeu, nunca eu imaginara que poderia ser assim e éramos 85 mil mas todos pelo mesmo objetivo, cultivar a paz, a amizade, a cumplicidade, o interesse mútuo.

A Tour trazia música de excelência, daquela que algumas pessoas do mundo fazem de melhor, que nos eleva a outro nível, daquelas que nos dá prazer pela vida, das que nos faz sorrir por felicidade de estarmos, de sermos. 

A Tour trazia ainda o espetaculo, os cenários, a surpresa e a originalidade, no meio do público as pétalas da flor abriam devagar, o caule subiu, deixou.nos espantados pela beleza da engenharia aplicada e sua grandeza.

Perdi a conta de todos os grandes concertos que assisti, alguns muito bons, como este não se volta a ver, mágico, bonito, majestoso, duma qualidade incomparável.

E eu estive lá 

Melhor albúm: The Dark Side of the Moon/1973

Melhor faixa: Time

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Há Leão na cidade

20.07.23, Dulce Ruano

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Em seguimento a uma noticia que saiu hoje do avistamento duma Leoa nos arredores de Berlin, filmada na hora da refeição a comer, supostamente, um javali, trouxe-me à memória uma cena sobre um Leão à solta em Lisboa.

A pedido extra do patrão da empresa onde meu pai trabalhava, tinha de levar um pequeno carregamento de tecidos e acessórios a uma fábrica à entrada de Lisboa, era dia de semana, eu estava de férias da Páscoa, teria uns 10/11 anos, não tinha nada para fazer e meu pai levou-me com ele, fomos de manhãzinha pela fresca, chegámos ao meio dia, se hoje precisamos de 2 horas e um quarto naquela época eram precisas 6 horas para se chegar à capital.

Estava um dia bastante quente, os vidros da camioneta iam abertos totalmente, meu pai evitava de parar para não perder tempo, teria de chegar lá, descarregar, tratar da papelada, guias de remessa e uns recados, de seguida voltávamos para casa. No regresso tinha direito a uma paragem para meter combustível e esticar as pernas.

Nas viagens meu pai ligava o rádio e à medida que nos distanciávamos da nossa origem era preciso sintonizar a estação das zonas onde íamos passando, ouvíamos música, cantávamos e a cada hora surgiam noticias, a parte que eu menos gostava.

Ao fim de 6 horas sem parar ia desesperada para esticar as pernas, não via a hora de chegar à fábrica, movimentar-me e entrar naquele grande armazém onde íamos entregar a carga, porém uns minutos antes de chegar, batia o meio dia na rádio, chega a primeira noticia que dizia “Alerta para a cidade de Lisboa, encontra-se um Leão à solta, mantenham-se atentos, as autoridades já estão no terreno na tentativa de captura do animal”.

Meu pai aumentou o volume do rádio, olhámos um para o outro, arregalámos os olhos e mostrámos medo, fiquei branca, cheia de calor e com tonturas, parte culpa do sol que escaldava, outra parte era medo, muito medo, a esperança é que estava dentro da camioneta e o Leão não me atacava.

Entretanto chegámos à fábrica, meu pai saiu, entregou as guias e vieram uns homens a descarregar a camioneta, eu mantive-me no assento onde já vinha há 6 horas, não fosse o jubas aparecer, não pensei mais nas dores das articulações, só pensava em me proteger e temia pelo meu pai, pedi-lhe que fosse tudo rápido para regressarmos a casa.

Vi o meu pai incomodado com a situação, eu cheia de medo de ser atacada pelo feroz bicho, gostava muito de leões mas a cidade não era o seu habitat pelo que o seu comportamento era incerto, ao mesmo tempo temia pelas outras pessoas, quem seriam aquelas que o iam enfrentar ou ele atacar, estava assustada e só queria regressar pelo que mantivemos o rádio ligado para nos atualizarmos das noticias e achar que a todo o momento vinha alguma de desgraça.

Pouco tempo depois de iniciarmos o regresso veio novo bloco de noticias em que diziam “Não temam o encontro com o Leão, feliz dia das mentiras, hoje é 1 de Abril ….”, cruzámos os olhares, mandámos os ombros para trás em sintonia e as quatro sobrancelhas levantaram ao mesmo tempo, voltei a ter sangue a circular pelo corpo e o meu pai soltou uma enorme gargalhada, de alivio, que eu sei.

Naquela época não se ouvia falar da tradição francesa que já vem do Séc. XVI devido á mudança de calendário Juliano para Gregoriano, no interior as coisas demoravam mais tempo a chegar principalmente as supérfluas, mal chegámos ao Porto Alto meu pai encostou a camioneta e finalmente saí. Foi um dia de aprendizagem e de crescimento.

Sempre ouvi dizer que quando viajamos regressamos diferentes!

 

 

 

 

O primeiro na sala de cinema

07.07.23, Dulce Ruano

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Não me recordo exatamente a idade que tinha quando entrei pela primeira vez numa sala de cinema mas aposto nos 12 ou nos 13 anos de vida.

Era uma espécie de tabu para uma pré adolescente entrar num sitio destes, na minha cidade havia um cinema, sala emblemática, de uma bela arquitetura e forrada a veludos de cor bordeaux, com pouca luminosidade e envolta de intimidade e misticismo. Cada um a veja como quiser, esta é a forma como eu via.

Não havia produções cinematográficas para crianças ou pré adolescentes como eu, ou melhor, se as havia nunca chegavam ao interior do país, não havia público para isso, ou melhor, haver até havia, porém as mentalidades não eram como são hoje que se levam os filhos a todo o lado e a ver tudo.

Desta forma, uma coisa era certa, tão depressa nos próximos anos da minha vida não entraria numa sala de cinema e as minhas questões eram muitas, como seria estar dentro duma sala de cinema? Como são os assentos? Como é ver um filme numa tela gigante? Que impacto visual e auditivo vou sentir? Que sensações e emoções terei e de que forma vou reagir?

Não tinha como ir, no meu seio familiar nem se pensava nisso e os filmes em exibição eram normalmente para M16, M18 e M21, eu ainda tardava a ter autonomia e idade para isto!

Andava na Escola Secundária Campos Melo, lugar que tanto me ensinou, escola maravilhosa que sinto muitas saudades, com corredores e escadarias em mármore branco, corrimões de madeira escura, não tinha pavilhão desportivo mas tinha oficinas de mecânica, eletricidade e laboratórios.

Uma vez a Associação de Estudantes, que já eram todos rapazolas de 17 e 18 anos, uns autênticos homens que até já tinham barba e eu muito respeito por eles por serem tão crescidos, conseguiram uma forma de levar a malta ao cinema.

Quando soube disto pelos corredores da escola vi a grande e única oportunidade que não podia perder, não tinha que dar satisfações em casa porque iria ser no tempo da escola, se desse não me deixavam ir, a sessão iria decorrer numa matiné de quarta-feira.

De tão emocionada não perguntei que filme iria passar, procurei por companhia pois seria impensável ir sozinha mas ninguém quis ir, nunca percebi porquê. Sentia-me nervosa e fraca, ir para um sitio daqueles sem companhia, sem saber o que iria ver, conhecer, enfrentar, será que dava com o meu lugar? Será que haveria luz suficiente para reconhecer o meu assento? Eram muitas questões na minha cabeça mas tinha de ir.

Quando dei por mim sentada naquela sala de cinema, senti um encanto enorme, uma felicidade tremenda, o quebrar duma barreira. A sala estava lotada, um grande burburinho, eu ali sentada sozinha sem ter ninguém para falar, desabafar, contar as emoções.

Antes do filme começar a ser exibido não me passou tão pouco pela cabeça o que iria ver, o que eu queria era estar ali, dentro daquela sala, perceber como era, o tipo de filme era o menos.

Apagam-se as luzes, a sala fica escura, tudo acalma, a tela gigante mostra a primeira imagem e de repente ouvem-se, de forma estrondosa, hélices de helicópteros que parecia estarem sob as nossas cabeças, vêm na nossa direção, entram pela sala adentro de rompante, ouvem-se sons de metralhadoras e explosivos.

Cenário de guerra, a música de fundo “This is the end…” abafa os sons das hélices e dos disparos, estava perante um filme de guerra a retratar os horrores passados no Vietnam, o surrealismo e a loucura da guerra, estava também perante a obra prima do mundo cinematográfico, Apocalipse Now! Francis Ford Copolla é Grande, muito grande!

Há muitos filmes incriveis, de grandes produções, mas este, o meu primeiro filme de cinema ficou-me cá no sangue, foi forte, foi uma grande estreia para mim e hoje encontrei a foto do grande homem que me levou a esta nostalgia.

Nota: Na foto, Francis Ford Copolla de braços cruzados enquanto o caos acontecia num set de filmagem em 1978