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A Sorte da Raposa

Partilha de emoções, experiências, reflexões ❤

A Sorte da Raposa

Partilha de emoções, experiências, reflexões ❤

A croma que não reconheceu o cromo

19.10.23, Dulce Ruano

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Era quinta feira, ansiava pelo bendito fim de semana. No final do dia de trabalho apesar do cansaço e rescaldo de uns dias ligeiramente conturbados fui ao treino apesar de uma parte de mim querer ir para casa e não fazer nada, tal a ressaca que trazia comigo.

Já depois das 20h. cansada, esfomeada e deserta para chegar a casa ainda passei no hipermercado comprar maçãs achando que se fizesse um puré de maçã me iria ressuscitar de todo o peso que trazia comigo. Era noite, estava estacionada numa zona de pouca luz, no regresso ao carro percebo que há vários rapazes vestidos de calça e colete pretos, camisa branca, sapatos pipis achando estranho a movimentação, aquela hora, aquele dia, aquele sitio, fiquei atenta.

Um deles falava ao telemóvel, denotava alguma agitação e fumava, enquanto o observava, discretamente, claro, desliga o telefone, olha para mim e em passadas largas começa a falar, ainda achei que iria pedir alguma informação.

Olá Dulce, então tás boa, tudo bem contigo?” Neste momento pensei: “Mas quem é este cromo que até me conhece?

Não me deixei ficar e respondi de forma expressiva “Oláaa, está tudo na boa então e tu?” ele responde: “Aii nem me digas, ando tão cansado, este ano isto não tá fácil, imagina lá tu, temos 75 novos alunos em Marketing”, aqui ele dá-me uma pista de que temos algo em comum, o curso de Marketing e pergunta se eu tenho visto as praxes na página “Praxe dos…”, outra pista, ele sabe que sigo a página.

A minha intriga crescia cada vez mais à medida que descobria que este rapaz sabia várias coisas a meu respeito e eu completamente apardalada sem saber quem ele era (imagino as gargalhadas dele à medida que lê isto, eu sei que ele lê).

Respondi que de facto não vi os vídeos das praxes mas assim que possível veria, ele acrescenta à conversa que brevemente, assim que terminassem as praxes, havia de ir ter comigo para lhe fazer massagem às costas porque andava todo “fatela” (sim, ele disse a outra palavra) que me fez pensar como era possível ele estar tão à vontade deixando outra pista, caramba, quem seria ele que até sabe que faço massagens, arre!!! Continuei a postura de firmeza e a corresponder ao diálogo sem dar o mínimo indício que não fazia a mais pálida ideia de quem ele era.

Despede-se de mim com dois beijinhos, extremamente cordial e manda um abraço para os homens da casa, o mais velho, o maior e para o mais novo! Agradeci, sorri, acenei e entrei para o carro.

Assim que avanço do estacionamento tive um sentimento de frustração, estava demasiado fraca para puxar pelos neurónios e ao mesmo tempo intrigada como é possível não me lembrar daquele rapaz que tanto sabia de mim e eu, pfff népias!

Rapidamente se fez luz, o rapaz é conhecido da minha casa desde bastante pequeno, creio dos tempos de pré-escola, amigo do Duarte até ficarem maiores de idade, ainda mantêm o contato mas seguem caminhos diferentes por opções de vida.

Tanta vez que esteve em nossa casa e durante tantos anos o que me fez pensar que se passaria comigo para não o reconhecer, teriam os meus neurónios dado o berro? Aparentemente seria a resposta mais óbvia mas tenho uma constatação que prefiro aceitar como válida.

Nos últimos três anos poucas vezes nos temos visto entretanto ficou adulto e não dou a mesma atenção de quando eram pequenos mas a grande diferença é que agora é alto, magro e elegante e toda a vida dele que esteve em contato connosco era baixo e reboludezinho, digo assim para ele não ler que era gorducho porque de facto o era e toda esta transformação dele foi demasiado grande para o meu cérebro processar o reconhecimento.

Estou certa de que ele não topou nada, a mestria da experiência de vida afinal dá cá um jeitão.

 

 

 

 

A liberdade dos meus Animais

12.10.23, Dulce Ruano

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Quando observo os perus a passear pelo quintal faz-me sempre pensar na forma de se estar na vida. São animais dóceis, meigos, reservados, não se metem com ninguém, não incomodam, andam na vidinha deles e apenas observam, ah nisso eles são muito bons, têm os sentidos bem apurados, ótimos observadores e discretos.

Contrastam com as galinhas, estas são umas atrevidas como não há igual, metem-se em todo o lado, bicam, arredam tudo para trás com as patas, até é curioso perceber que quando elas lançam para trás com as patas o que encontram pela frente poderá significar que permanentemente deixa de haver presente ficando imediatamente no passado, não sei se isto terá alguma simbologia mas como as galinhas são bastante ativas e descontraídas, fazem o que querem e lhes apetece sem preocupações aparentes faz-me pensar que as suas atitudes terão algum significado de vida.

Nos dias quentes e amenos gostamos de comer no jardim, por hábito usamos a mesa redonda do terraço e aproveitamos a sombra das árvores, cada um vai levando as coisas para a mesa, a comida, os pratos, talheres, guardanapos, copos, saladas, bebidas e sentamo-nos finalmente.

Pouco tempo a seguir estamos rodeados das várias espécies do zoo doméstico:

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O cão, labrador preto que em vez de respirar ar só se concentra em algo que lhe possa chegar à boca, saliva-se, fica com a bocarra aberta, língua ao comprido, olhos fixos no tampo da mesa e com os sentidos apuradíssimos levantando-se-lhes as pontas das orelhas assim que percebe que uma migalha se desprende duma pequena fatia de pão, imagine-se um pirolito de comida. Nunca vi uma coisa assim, faz tudo por comida, tem de haver um controlo exigente com a sua alimentação.

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As gatas, a malhada de branco e preto aproxima-se da mesa e passa o tempo todo a miar, não é porque precise de comer é mesmo o feitio dela assim, mia e pede sem precisar, porém a tigresa fica por perto mas mais atrás, é distinta e elegante, quase não se dá conta dela, tem um ar selvagem, olhos verdes e o pelo listrado de tigre, é cá uma gata! linda e charmosa!

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As galinhas são as atrevidas, bicam por todo o lado, vão para debaixo da mesa, passam por cima dos nossos pés, olham para nós com o pescoço de lado, de crista levantada, pulam para cima duma cadeira e para o nosso colo, ali ficam empoleiradas sobre uma perna ou um braço à conta de algo que consigam bicar.

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É bonito de as ver no seu tipo de “pasto” e estarem à nossa volta porém têm um senão, é que por onde andam a tripa manifesta-se constantemente, assim andam elas descontraídas e nós com o cuidado de onde pôr os pés, têm de facto um espirito livre.

Depois temos os dois perus que na sua quietude e meiguice estão nos arredores da mesa mas que estão mais distantes, de olho posto em nós e no ambiente circundante, sem se manifestarem e de poucos movimentos e é nestes momentos que reparo melhor neles, amistosos, isolados no seu mundo, humildes mas também os acho tristonhos, não sei se se acham feios ou não, na minha opinião o aspeto deles dá-lhes uma beleza rara.

Nasci e cresci rodeada de animais, serviam de companhia, de alimento, de defesa, de trabalho e as regras sempre foram bem claras, os animais têm o seu próprio habitat para o qual se desenvolveram e adaptaram, por tal cada um no seu devido lugar, agora que voltei a ter oportunidade de ter alguns animais mantem-se as regras, eles têm os seus próprios espaços e não entram na casa, ainda assim não deixamos de ter uma paixão por todos, é verdade que as galinhas estão lá para nos darem ovos em contrapartida nós damos alimento, um galinheiro protegido de qualquer possível ataque e ninho para porem os seus ricos ovos, acima de tudo damos liberdade!

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Que nos perdoem as alminhas que estão no céu das galinhas que foram mortas e estranguladas pelo Furão que procurava alimento para a sua sobrevivência e assim fazer jus à cadeia alimentar, certa parte culpa nossa de não termos protegido o galinheiro a toda a volta. Uma ainda nos deixou um ovo acabado de pôr, foi o seu último presente. O que chorei nesse dia fatídico, as minhas queridas galinhas, airosas e belas totalmente esventradas, que horrível chacina se ali deu naquela tarde, não estávamos para as salvar, para afastar aquele malandro como ás vezes fizemos com uma raposa ou outra que entrava no quintal em busca da sorte.

Fizemos uma espécie de luto por vários meses, preparámos um galinheiro novo devidamente protegido e compramos galinhas novas, aninhavam-se nas suas penas e ficavam nos cantos com os olhos semiabertos foi assim por uns dias, logo se ambientaram.

Numa conversa informal com uns colegas surgiu a ideia de ter um peru, nunca tinha tido esta experiência na minha vida e vivi com imensos animais, cabras, ovelhas, patos, porcos, vacas, cavalo, coelhos, mas perus nunca, decidi arriscar e encomendei um ao meu tio que ia à feira do Fundão no dia seguinte de manhã.

Ligou-me na manhã seguinte a dizer que quando quisesse que podia ir buscar o novo habitante do quintal mas que em vez de um tinha dois e caso eu não quisesse podia ficar só com um mas achou melhor trazer dois porque são animais muito isolados e assim não entristecia, os dois amparavam-se um ao outro, caramba nunca tinha pensado naquilo, achei bonito e coerente, sem qualquer dúvida fiquei com os dois, é como quem adota uma criança e traz o irmão para crescerem juntos, isto é precioso.

Quando chegaram, as atrevidas sentiram invasão do seu território e começaram a bicar nos pobrezinhos dos perus inofensivos que eles pouca área têm para se defender então tivemos de fazer uma separação física e depois uma aproximação gradual para que ficassem todos amigos e correu muito bem, respeitam-se mutuamente. Ai, que bicharada linda.

Depois questionei-me por que carga de água tinha perus, iam dar-me despesa e não punham ovos, então decidi que seriam um belo manjar na ceia de Natal uma vez que até á data iriam crescer e engordar tornando-se num belo exemplar para expor na mesa da ceia, contudo desde que os observo e admiro a sua forma de estar, a sua doçura e humildade, o ar tristonho que transmitem por natureza, o ar de isolados, perdi totalmente a vontade de os pôr na tal dita mesa da ceia, jamais conseguiria fazer esta atrocidade, eles precisam mas é de viver, ser livres e estou certa de que no meu quintal são perus felizes.

Em jeito de observação ao comportamento animal e humano diria que se eu comesse pessoas jamais comeria os que vivem na sua humildade, fraqueza e vulnerabilidade, os outros comia-os todos!