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A Sorte da Raposa

Partilha de emoções, experiências, reflexões ❤

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Medronhos

10.12.19, Dulce Ruano

Medronhos.jpg

O lugar onde nasci, isto é, o lugar para onde fui viver três dias depois de nascer, era uma quinta muito grande, com um horizonte enorme, vistas que não acabavam, lugar que me deu espaço a correr, saltar, trepar árvores e comer fruta até cair para o lado, lugar que me deu espaço à imaginação, à fantasia, ao sonho, à ambição, mas apesar de todo este espaço, sentia uma necessidade enorme do que estava para lá do horizonte e não sabia bem o que era.

Havia poucas crianças perto da quinta, e as poucas, uma ou duas eram um pouco mais velhas que eu e passavam mais tempo a fazer tarefas que os pais mandavam do que propriamente brincavam, sentia falta disso porém tinha tantas e tantas outras coisas para fazer naquela quinta, tive uma boneca ou duas nem me lembro muito bem e sei que lhes fazia roupa para andarem bem vestidas, os trapos que usava eram meias que por alguma razão não tinham par e de uma fazia um top, uma saia e um toca.

Em frente à casa, num socalco abaixo, havia uma figueira que parecia ter nascido dum muro de pedra muito alto e que dava para outro socalco mais abaixo, apanhava os figos mas sempre com os olhos esbugalhados nas pedras do muro sabendo que devia por ali haver uma colónia de cobras, Brrrrrr, só de pensar estremeço....

Por cima desta figueira, estava no centro do terreno um enormissimo medronheiro corpulento, o ano inteiro havia fruta na quinta porém se no Verão tinha os pêssegos, as cerejas, os abrunhos, e tantas outras, no Outono tinha as maçãs, as pêras mas a chegada do Inverno limitava em muito a diversidade, tinha o medronheiro e pouco mais, de vez em quando ia ter com ele, estava mesmo ali à mão e apesar de os medronhos não serem bem o meu forte apanhava-os da árvore até me fartar.

Ir ao medronheiro tinha sempre dois inconvenientes, um era que qualquer adulto que me visse junto à árvore, fosse quem fosse, reprendiam-me logo com: "não comas isso que te faz mal à barriga e se comes muitos embebedam-te" epá passei anos a ouvir aquilo, às vezes não queria saber se ficava alcoolizada ou não, comia os que me apetecia por outro lado sabia e isso tinha a certeza que me fariam mal à barriga (era a única fruta em que me controlava) pelo que acabava por olhar à quantidade que comia.

O outro incoveniente, este era o pior, é que os medronhos caídos no chão e já bastante maduros eram às centenas, estavam por todo o lado, não havia espaço livre para pôr os pés, esborrachavam-se, só me fazia lembrar o cócó amarelo dos bébés. Ficava agarrado ao calçado de tal maneira que aquilo metia-me um nonjo do caraças, blarghhhhh.

Atualmente tenho no quintal cinco medronheiros (loucura) um já com um porte jeitoso, os outros ainda pequenos. O maior que já dá muito fruto e parece que caem constantemente para o chão provocou-me esta nostalgia, não comi nenhum medronho mas fiquei com as sapatilhas completamente borradas de cócó amarelo de bébé, arghhhhhh, só parecia que tinha voltado uns anos atrás na minha vida de tal maneira que naquele momento ecoaram vozes "não comas isso que te embebedam"... 

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