Pedra Podre
Há já algum tempo, muito, que olho para a minha cozinha e penso que gostaria de a mudar, tenho falta de arrumação e preciso que se torne mais eficiente, esta é a minha parte emocional a expressar-se porém quando o lado racional começa a fazer contas, nem que seja por alto, faz com que esta vontade vá sendo adiada até porque acho o dinheiro mais bem empregue em viajar.
Depois vêm as tentações do demónio a moer-me, ou não fosse eu demoníaca de entusiasmo pelas coisas que gosto mesmo a valer de se gostar.
Fomos a uma superficie comercial comprar um movelzito para a zona do churrasco, JM já me esperava na secção e enquanto me dirigia para lá, dois corredores antes sou sugada pelo íman da atração de algo que mesmo só visto de vislumbre senti que era quilo que queria para a vida.
Percebo que acabara de entrar na seção das cozinhas e de facto uma delas encheu-me bem o olho, abri gavetas e portas e percebi o jeitão que me daria em operação de arrumos, rapidamente ali montei o jogo dos tachos e panelas mais as famosas caixas “taparuéres” mas o que realmente me iluminou a vista foi a mesa e bancada em pedra.
Brilhava, apesar de não ser grande adepta de brilhos, aquela pedra era uma autêntica luz. De tons castanhos, beges e cinzentos, uma verdadeira beleza da natureza, olheia-a de todos os cantos, baixei-me para ver como era por baixo, colei as órbitas sobre o tampo, quase que me salivava pela bancada afora, que beleza extraodinária, dava voltas nas catacumbas do inferno para encontrar uma forma de ter uma cozinha com aquela pedra.
Saí dali meio cabisbaixa, no corredor ao lado estava JM de braços cruzados a aguardar pela minha chegada que não havia maneiras, quando cheguei nem tive coragem de lhe dizer o que tinha acabado de ver e de sentir, concordei com tudo o que ele disse, pegou na caixa do movelzito e fomos para a caixa pagar, mas antes puxei-lhe pelo canto inferior da T-shirt e pedi-lhe que voltássemos atrás para lhe mostrar uma coisa. Assim que ele olhou para a bancada, disse de forma bastante afirmativa levando o queixo abaixo e acima “Hmm, é mesmo bonita, por acaso, é bem linda, espetacular”. Eu gostei tanto mas tanto que ainda que JM não gostasse eu continuaria a gostar muito e a desejar muito. Estava a ficar tarde e tivémos de ir grelhar o peixe para o almoço.
Resto do dia não me saía da cabeça ter aquela cozinha mesmo que modificada mas acima de tudo ter uma bancada daquela pedra, pelo que arranjei a mim própria uma desculpa para ir às compras e aproveitava ia lá novamente. Fui, pedi para falar com um técnico, simpático e atencioso e competente, gosto quando sou atendida por bons pofissionais, ao que me informou sobre qualidade dos materiais, a disposição dos módulos e valores aproximados e pelo menos fiquei com uma ideia de que antes vou continuar a viajar do que remodelar a cozinha.
Depois a conversa passou para a pedra da bancada e aqui é que foram elas. Não me deu valor nem aproximado, o que ali estava era meramente expositivo e o fornecedor nem tão pouco lhe interessava ter grande mediatismo por ser uma pedra bastante cara e complicada de trabalhar. Tentei perceber porquê, foi-me explicado que se chama Pedra Podre o que estranhei pois com este nome pouco nobre não jogava uma coisa com outra mas depois percebi que sim.
A qualidade da pedra no seu natural é bastante frágil, parte-se e esfarela-se com bastante facilidade. Após a extração e meticulosa preparação para fazer bancada ou uma mesa leva uma espécie de rede para a suster e não se desfazer depois é submetida a uma resina transparente que é o que lhe vai conferir suporte e brilho após polimento além de que preenche pequenos espaços que vão aparecendo por deslace da própria pedra.
Saí dali encantada com toda a explicação que me foi dada levando o meu lado racional a impôr-se e a fazer com que a vontade se fosse desvanescendo. Quando regressei a casa e já mentalizada que por muito bonita que a pedra seja não seria muito garantida para uma larga vida de uso diário, decidi que continuarei a viajar que é mais prazeiroso do que ficar fechada numa cozinha a morrer de tédio a olhar para o brilho duma bancada.