Viagens no 404
Em tempos meu pai teve um Peugeot 404, branquinho, lindooo, era cá uma banheira, não sei se era da cor se era do formato do carro fazia-me lembrar uma noiva, eu era bem pequena e sonhava com princesas, uma noiva é sempre uma princesa (deixemo-nos de coisas ainda hoje penso assim).
O 404 não tinha cintos de segurança mas naquela época não se falava nem se pensava nisso, autoestradas não havia, só nacionais com o limite máximo de 90 Kms/h. Sempre viajávamos muito durante o ano, eu adorava sair de casa, apesar dos malditos enjôos que sentia, fosse qual fosse o motivo da saída era sempre motivo de alegria andar de carro.
Meu pai a conduzir era um mestre, para mim o melhor do mundo, tinha uma destreza formidável, não havia recta que escapasse ao acelerador dizia que era para aproveitar a capacidade do carro, pudera, tinha 1600 CC a gasolina, a verdade é que meu pai nunca teve um acidente, nem me lembra que tenha apanhado sustos ou pelo menos sustos grandes.
Naquela fase da minha vida em que era uma meia leca e ainda era filha única, quase nunca dividia o assento do carro com ninguém, a não ser quando saíamos com a minha avó para visitar o avô que esteve hospitalizado em Coimbra e Lisboa. O assento de trás era enorme, parecia um sofá, era todo corrido e estofado a pele preta e veludo bordeaux, era todo para mim, esticava-me, saltava, esperneava, reconheço que fui bastante feliz nas brincadeiras e na irrequietude que me assistia.
Adorava quando faziámos viagens longas e o meu pai "aproveitava a capacidade do carro" acelerando mais um pouco nas rectas, era uma aventura e quando apanhava saliências ou desníveis da estrada era a loucura total naquele assento, dava imensos saltos, batia com a cabeça no tejadinho, tanto mas tanto que eu me divertia, sinto saudades daquelas emoções, no meu assento, no meu lugar tão bem que me sentia, provocavam-me tantos sorrisos, tantas gargalhadas, eu ali no meu pequeno castelo, eu a princesa feliz
Hoje penso como as coisas mudaram, as crianças nas suas cadeirinhas amarradas com os cintos, sinais da evolução, fui uma previligeada das leis e das obrigações
Bendito Peugeot 404